Viajar sozinho tem os seus prós e contras!
Existe, por um lado, uma liberdade imensa em conhecermos e entendermos o que nos rodeia da forma que mais no agrada. Corremos ruas, espaços e lugares com descontracção, sem medos, atentos apenas ao que vamos encontrar, as pequenas particularidades daquele mundo novo que nos é apresentado. Sem distracções de outrem, sem apegos, sem paixões, aprendemos a pensar por nós próprios, a interpretar com tranquilidade, a socializar com pessoas que de outra forma nem comprimentaríamos.
Tem a sua beleza, a sua dose de encanto. Os lugares adquirem pormenores, texturas, fazem brotar ideias, comportamentos, pessoas. Mas passam. Tão depressa os conhecemos como deixamos de fazer parte deles. Como quando se lê um livro e esbarramos com uma profunda descrição de um lugar. Ficamos a conhecê-lo, vivêmo-lo e por vezes até o sentimos, mas queremos mesmo é saber o que se vai passar com o protagonista no seu encontro com os outros.
Nada se recorda de verdade se não existirem pessoas. Tudo o resto podemos até senti-lo, maravilhar-nos com a sua existência, mas se não houver ninguém para partilhá-lo, perde-se o valor. Ganhamos meia dúzia de memórias que podemos garantir como nossas, mas que mais ninguém entende ou consegue compreender o significado. O mundo possui coisas lindíssimas, mas é preciso saber vivê-las e não apenas dispor delas.
A protagonista de Comer Orar Amar inicia a sua viagem afirmando que precisa de tempo para consigo própria, redescobrir-se, reaprender a sentir o gosto na vida e, por fim, encontrar o seu equilíbrio. Mas ao longo da sua viagem nunca está verdadeiramente sozinha. O seu ano de aprendizagem é pejado de figuras que a ajudam, de facto, a encontrar-se. E ela dá-se ao outros e apreende esse equilíbrio através das experiências por que passa com eles.
Isto para dizer que "saia da sua zona de conforto" e enfrente o mundo sozinha é muito giro, muito romântico, mas na prática a Júlia Roberts tem mais relações em 2 horas e meia de filme que algumas pessoas em toda a sua vida.
Ofereci o livro à minha irmã há alguns meses e este tem ficado esquecido numa pra
teleira sem que lhe mostrem o devido interesse. Não tanto por alguém por estes lados precisar de uma dose de auto-ajuda, mas porque ver de novo a Júlia Roberts no grande ecrã tinha a sua dose de interesse. Confesso que foi mais esse privilégio que o filme em si que me levou a perder o meu tempo no cinema. Esperava uma filosofia barata, uma redescoberta interior fastidiosa e já por demais batida e um final feliz à Hollywood.
O final feliz ao pôr-do-sol está garantido, o português do Javier Bardem é péssimo (fora umas frases muito curtas que vê-se terem sido amplamente treinadas, quando o homem se mete com discursos mais longos é o desastre. Era assim tão difícil arranjar um actor efectivamente brasileiro?) e a Júlia encarna de tal forma o desespero da sua personagem que não me admiraria se a academia se lembrasse dela lá mais para Fevereiro.
O argumento está bem conseguido e a realização tem alguns trunfos, ainda que julgue que a fotografia não teve a sua dose de inspiração. Os cenários são lindos, os actores secundários carismáticos e uma mensagem bem transmitida nas sequências, nas cores, nos diálogos. Mas viajar por cidades europeias e locais exóticos tem sempre o seu atractivo e não há câmara que lhes resista.
Posso atacar sem piedade o âmago da história. Fazer este tipo de experiência é também e sobretudo uma questão de oportunidade. Não vi a protagonista meter a mala às costas e dormir ao relento. Tudo esteve planeado e dinheiro era coisa que não lhe faltava. O retiro espiritual era numa espécie de hotel que a única originalidade passava por estar localizado na Índia. Presumo que seja mais fácil atingir aí o Nirvana, mas há locais desses bem mais próximos dos EUA e que obrigariam a viver o mesmo tipo de encontro interior. Mas enfim, no fundo é preciso uma certa disposição para aceitar determinados desafios e se é preciso viajar até ao outro lado do mundo, boa viagem!
Desconfio que muitas mulheres por esse mundo vão, em breve, fazer uma viagem destas, ainda que desconfie que o objectivo final passará muito por encontrar um Bardem pelo caminho. Mas para quem não tem dinheiro, nem oportunidade, nem tão pouco vontade de fazer uma viagem do género, o filme em si é um livro de auto-ajuda, com ensinamentos a que nós próprios podemos chegar sem ser preciso ir tão longe.
Não me batam, eu adorei a película, apenas entendo que podia ir mais longe. Mas talvez para entendê-la no seu todo seja precisa uma dose de maturidade que muitas das pessoas que estavam ontem no cinema não possuíam. E cada um pode interpretar o que viu, o que ouviu e o que sentiu de maneiras tão diversas quantas são as experiências de cada um.
De maneira que ir ao cinema ver Comer Orar Amar é também, em si, uma viagem que, como todas as viagens, aconselho a que se leve companhia. Não tanto pelos pormenores que se vão captando durante o filme, pois essa é uma descoberta pessoal, mas pela moral que se retira do que se viveu ao fim de três horas.
Conversem com a pessoa do lado. Vai ser interessante perceber que pouco do que terão visto significou o mesmo para os dois. E o filme vale por isso...