quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A Tabuada do Tempo - Cristóvão de Aguiar


O primeiro olhar foi de desafio, quase de inveja pelas palavras ditas quase em sintonia com uma música de fundo, nunca presente mas sempre disperta. Depois veio a viagem, veio a lembrança, veio a presença por se estar a pisar os mesmos terrenos, as mesmas angústias. Ser-se ilha não é ser-se pequeno, é um estado de espírito que acompanha quem amou a terra onde nasceu e aprendeu a ser-se, a ver-se, diante de uma paisagem. Nos dias que se percorrem, saborando quase sempre a instabilidade do tempo, encarna-se uma audacidade também ela temperamental e procura-se um objectivo nas palavras do quotidiano.

Para ler com uma grande vontade de saborear, nunca de entreter...

terça-feira, 21 de outubro de 2008

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

a percorrer...





Contos da Madrugada - Inverno I

As histórias nascem do que mais insólito sacude a rotina. Têm rostos de homens e mulheres, crianças e monstros, mas recordam que a vida caminha num círculo estranho, quase interrupto, onde pequenas coincidências, pequenos acasos, desenvolvem acções entre personagens avessos a narrativas e criam versos em poemas avessos à rima.

Um Inverno iniciou Outubro, mês da uva, mês da chuva, com granizo e geada nos alpendres das casas. Foram as recordações da madrugada! Aquela mulher de cabelos ruivos e barriga inchada da doença escorregou, de chinelos, no piso escorregadio, na linguagem irreconhecível de uma estação incerta. O chão faltou, mas não caiu. Como em tudo, agarrou -se com unhas à parede àspera com cor de cimento e, em sangue, reergueu-se com força bruta. O corpo cansado, a fadiga já de hábito e roupa lavada, o mesmo assobiu que lhe contenta os dias e a impede de cair, inevitavelemente e para sempre.

O rapaz tranca a porta de casa e coloca a mochila às costas. Pesa! Não há dia em que não pese. Mas os ombros - já gastos e corvados de doze anos de tal exercício - não protestam, nem sequer se apercebem que caminham, lentamente, para uma existência dolorosa nos calcanhares da velhice. Irrequieto, teimoso, percorre as ruas de terra e mato a caminho de uma escola que nada lhe diz, nada lhe espanta. No fundo - ele sabe-o - tudo se resume a letras e números dispostos ao acaso por adultos que nunca irá conseguir equiparar. A vontade e a esperança, talvez mesmo a persistência, desapareceram ainda cedo em outros testes de matemática. Ficou a rotina, tal e qual feitiço. que o encaminha, dia após dia, para uma sala cheio de um vazio de alma, ou mesmo de inspiração.