quarta-feira, 27 de junho de 2007

De bicicleta

- Cuidado! - grita a pequena assustada
Da bicicleta do amigo
A prenda recém chegada.
É Natal – leva-me contigo!
Ameniza o meu Inverno.
Arrefeço…
Faz frio.
Frio que gela os pezinhos dos meninos
Amigos inseparáveis
Dois eternos destinos.

Ela assusta-se de mansinho
Mas a alegria é gritada,
Ela encosta-se,
Bem pertinho,
Do amigo que guia e trava,
Pois a viagem dos seus sonhos –
Sonhos ainda tão pequeninos –
É chegar até às estrelas
Lá ao fundo
Lá no alto
Na bicicleta tão desejada…

Não partas,
Não me deixes.
Deixei cair os ganchos
E o alfinete de ouro.
Esta infância de que recordo
Sabe a brisa de Inverno
E ao teu sorriso
Eterno
De malandro e sabichão.
Apesar de teres partido
Entreguei-te o meu coração.

E lá vão eles pelo caminho,
Ela grita e ele trava,
A saia voa um redemoinho
E já está toda desarranjada!
Mas e daí? O que interessa?
A bicicleta é nova e tem que ser usada
Porque se não brincamos em pequeninos,
A idade mais bela e graciosa,
Parte-se o vidro
Desabrocha a rosa
E, de repente,
Somos crescidos
E acabou-se a festa.

Quem matou Liberty Valence? - Memorial aos Westerns


A história não se desvia muito da temática do western que durante largos anos dominou a indústria americana do cinema. Não considero que seja um género ultrapassado ou menor da sétima arte, muito pelo contrário. Por detrás dos planos americanos, pormenor ou grandes planos de enquadramento das personagens há toda uma linguagem significativa que teve e tem a sua importância. De uma forma pessoal, recordo sempre aquela célebre cena de Terence Hill, o eterno Trinitá, no filme O meu nome é Ninguém que basicamente resume a sequência chave de todos os westerns americanos em que os dois inimigos se enfrentam no meio da rua, as pessoas fogem com os tiros, o funerário e o fotógrafo do jornal local de imediato aparecem para cumprirem a sua função e o silêncio se torna sepulcral.
Os dois inimigos fitam-se nos olhos, erguem levemente o casaco e deixam transparecer o brilho das suas armas. Enfrentam-se em pensamento, desafiando-se mutuamente e com a absoluta consciência de que só um deles pode continuar vivo. Antes que a decisão final seja tomada, e que num relâmpago momentânea as pistolas sejam sacadas, o fotógrafo apercebe-se que a fotografia não vai ficar bem e pede, gentilmente, a um dos cowboys (o bom ou o mau é irrelevante, até porque neste caso são os dois good boys) que se chegue um pouco à direita. Ele sorri e satisfaz o jornalista. Estão de novo frente a frente, a pequena cidade do velho oeste apinhada com rostos sombrios mas curiosos. Um leve movimento alerta a população e o fotógrafo dispara. Mas não… Não foi ainda desta. O homem da imprensa pede, mais uma vez, suplicante, que aguardem só mais uns segundos para ele repor tudo no sítio. A cena final é redundante, mas acaba sempre alguém morto!
Neste filme passa-se mais ou menos o mesmo, com a diferença de que quem matou Liberty Valance não foi o protagonista desta cena mediática. É pena, pois até teve direito ao pequeno rolo de palha a passar suavemente por entre as personagens na sequência em que estes se enfrentam com o olhar. Mas o facto é que aquele não era o arqui inimigo do vilão, apenas um jovem bem intencionado que sonhava mudar o mundo. Por outro lado, o papel da imprensa não deixa também de ser fulcral no desenrolar dos acontecimentos. Lá estão também os jornalistas crentes no poder da palavra, na bravura dos seus ideais e na superioridade intelectual, mais que na das armas, para conseguirem marcar a sua posição. A sua presença é peremptória, ainda que não fosse pelo genial comentário final do redactor-chefe do Sunshine Star: “Quando a lenda se torna facto, nós preferimos a lenda”.
Mais que o olhar ao oeste americano dos tempos da ocupação, das lutas com os índios e da corrida ao ouro, o filme resume-se pelo findar de uma época sem lei que sucumbia ao poder da imprensa e da sua força entre as populações desinformadas. É o tempo da alfabetização, da afirmação de um código jurídico e da Constituição, é o tempo em que rufias como Valence já não conseguem escapar ao poder jurídico e que o comboio finalmente une os dois oceanos que banham a América. É o fim do isolamento, da ignorância e o princípio da construção de um país de que os EUA se aprenderam a orgulhar. Não podemos deixar de notar, está claro, aquela pontinha de egocentrismo que envolvem as palavras do protagonista ao falar da bandeira americana, dos ideais de igualdade e fraternidade presentes na constituição, ao mesmo tempo que o único negro presente nos arredores é proibido de ir às aulas por tal não contribuir minimamente para a sua vida, segundo o patrão. Desculpamos este último por estar a perder a namorada para o professor.
Toda a história é uma entrevista ao Sunshine Star e, como tal, foca-se essencialmente no olhar pessoal da personagem central sobre os outros intervenientes na acção. Vemos o líder moral da cidade, o bom homem, trabalhador, que sabe chegar o dia, o momento, em que se tornará famoso pela sua coragem e audácia; vemos o xerife bêbado e medroso, gordo e pacato, que só quer o seu sossego mas que, ao mesmo tempo, se orgulha do respeito que a estrela lhe confere; vemos o jornalista sem iniciativa, sem vontade de se impor, conformado com a sua inércia e também ele bêbado, talvez para esquecer que não tem força suficiente para lutar pelos seus ideais; vemos a donzela analfabeta e romântica que só quer segurança na sua vida; vemos os emigrantes que nada percebem e vieram apenas em busca do sonho da riqueza; deparamo-nos com o bandido, o rufião do chicote de prata que quer ver a sua lei respeitada sob ameaça de morte e os companheiros sem personalidade que o seguem sem refilar; vemos os latinos estereotipados, a completarem o cenário da multiculturalidade, diminuídos na sua importância por não saberem falar inglês; não vemos índios, mas provavelmente tal facto se deve ao seu facto de a acção se centrar na cidade. Para, enfim, tudo ficar completo faltou o alcatrão e as penas…
Comparando com um qualquer filme actual, mesmo dos mais fracos, a realização deste deixa muito a desejar. Os planos conjuntos são frequentes, provavelmente para dar a noção de bastante gente quando, no fundo, são poucas as personagens. Procura-se encontrar um sentido de pequeno mundo afastado da grande metrópole, a small town perdida no meio do deserto e que sobrevive pelo seu esforço e dedicação. Mais uma vez é aqui que a imprensa cumpre o seu papel, mostrando que existe mais lá fora, que existe uma regra, uma norma a cumprir, ainda que afastada e tardiamente divulgada. Anseia-se pela barragem, pela estrada de ferro, pela estabilidade, vislumbrando-se sempre uma réstia de esperança no povo conformado, uma alegria inata, que a cerveja ajuda a preservar, nos rostos dos suecos que servem com orgulho as suas refeições, no xerife que esquece os problemas sempre que vê um bife na sua frente, na donzela quando descobre que ainda pode aprender a ler, no advogado/jornalista/professor quando insiste em colocar a tabuleta com os seus serviços no edifício do jornal, no próprio taberneiro que não serve a bebida enquanto a votação não terminar, no cowboy honrado que prefere perder a noiva a deixar que alguém com capacidades se iniba de abraçar a política e lutar pelas causas da população.
A película fala, por fim, de uma lenda e da forma como essa lenda nasceu. Fala da chegada da informação e do que acontece quando ela não existe. Fala de valores, juízos e preconceitos, honra, coragem e determinação. Os actores talvez fossem velhos de mais para a fase passadista da história, contudo o facto perdoa-se. Todo o cenário é claramente criação de um estúdio e as exibições não são de merecer um Óscar (pelos menos pelos padrões actuais), porém a mensagem é categórica. O argumento não é original e o desenrolar facilmente previsível, no entanto julgo, mais uma vez, que a citação final do jornalista resume em si todo o poder da história e salva todo o filme. Para o povo, para o leitor, para a notícia não interessa a pura e crua realidade de um advogado desajeitado que não sabia empunhar uma pistola. Interessa sim e apenas o relato de um homem que não acreditava na guerra e na violência, que tinha fé na razão e na lei, que acreditava na justiça e que, apesar de uma pontaria horrível, conseguiu matar Liberty Valance. Todo o resto vai a enterrar sem honra nem cerimónia. Todo o resto, tudo o que se rendeu à norma de uma época perdida, não merece fazer parte dos anais da história.

Impacto Ambiental - O Fungagá da Bicharada


Lá longe
Bem no fundo
Vejo uma ponte
Entre duas margens.
De um lado, os ratos
Do outro, as baratas
Acima, as doninhas
Abaixo, os cães.
Em volta
De todo este cenário
Ainda consigo encontrar
Dois ou três gatos
Cheios de apetite...

Os ratos comem tudo o que podem
E prosperam sem controlo;
As baratas tudo infestam,
Mas são esmagadas com facilidade pela humanidade;
As doninhas são malcheirosas,
Toda a gente desconfia delas;
Os cães,
Melhores amigos dos homens,
São fiéis e,
Por tal,
Espancados
E usados
Em cenas de terror.

Os gatos,
Independentes,
Nada querem com o resto
Apenas alimentam o estômago
Dos cacos desta guerra por começar.

Foi-se a ponte
Foram-se os bichos
Para o que é que eu olho agora?
O vazio...
O silêncio...
A liberdade
- por fim, a liberdade! –
de todo o cenário.

Bem vindos
Ao fungagá da bicharada!
Não vale a pena tentar:
A ponte não tem reconstrução!

Encanto Surrealista

Ao adormecer
Temo os meus sonhos,
Pesadelos
Que não sei controlar

Procuro nesse labirinto surrealista
As gavetas que o meu Contador
Deixou abertas
E encontrar nelas
As páginas inauditas da minha existência

Paciência?
Freud não vive mais
Para se perder
Em interpretações de sonhos.
Eles vêm,
Autênticos vulcões insanos,
Das mais estranhas criaturas

Um cavalo levanta as patas dianteiras,
Irado
Viciado
Num tal estado,
De fúria,
Que faz tremer
O meu sossego

Nestas alturas
Tenho medo!

Medo de não encontrar
A ponta do iceberg,
Ficar preso ao Contador,
Esquecer prazer e dor
E viver
Eternamente
No sonho.

Não parece má ideia,
Esta de não mais acordar,
Contudo
Preferir a realidade
Ser dono da minha verdade
Sentir a liberdade
Traz mais satisfação
E ardor
Que não ter mais que o amor
E a felicidade
No horizonte do futuro.

E viver a saudade
De possuir,
Nesta realidade,
A lembrança de teus olhos nos meus,
Dois amorais
Dois ateus
Nos bosques de Citereia.

Fecha as gavetas Contador
Que quero viver essa dor!

Vou apelar ao aquecimento global,
Quero o iceberg derretido
E o meu mundo diluído
Na mais pura essência
Do que sou,
Sem patamares
Sem outros quem.
Ser apenas eu
E mais ninguém

terça-feira, 26 de junho de 2007

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Cartas a um desconhecido IX - Adamastor


Gosto de escrever sobre o final da tarde quando todos se recolhem em suas casa e olham atentamente para o pôr do sol. No campo, na praia,na cidade ele tem sempre a mesma magia, a mesma melancolia. Nas tardes de verão ele torna-se mais luminoso, mais belo,
mais romântico... Quantas histórias não terão começado num simples pôr do sol e que terão dado destinos tão variados às diversas personagens? O Afonso, aquele que trabalhava na leitaria do Sr. Carlos, partiu para os Estados Unidos deixando para trás toda a história das suas mágoas e tristezas e tornou-se num homem rico e influente. A Catarina, aquela professora simpática da escola secundária, casou e foi muito feliz mas acabou por morrer num acidente trágico numa manhã triste denevoeiro. Aquele casal que se encontrava às escondidas na igreja de Santa Filomena acabou por separar-se e nunca mais se voltaram a encontrar.
E assim termina uma daquelas histórias que, começando com tão belo cenário, acabam por dar fins inexplicáveis às suas personagens.
Esta história também começa numa tarde de Verão em que o crepúsculo começava a dar o ar da sua graça. Num grande parque, único espaço verde de uma grande cidade, um cão velho e com aspecto de sábio, está deitado ao pé de um dos bancos do jardim. Por ele já passaram muitos cenários semelhantes. Ainda se lembra daquela tarde em que o
Banco fora assaltado e que ele apanhara o ladrão com uma valente mordidela. Desde então passara toda a sua vida vigiando aquele parque juntamente com o seu dono, o velho guarda Fonseca.
Chamam-lhe o Adamastor. Nunca percebeu a razão daquele nome. Uma certa vez ouvira alguém dizer que se tratava de um gigante solitário que fora transformado em rochedo por ter ousado amar a filha do deus do mar. E que, um certo dia, se viu confrontado com navegadores portugueses que quase morreram esmagados nos seus rochedos. Mas à excepção de ser um velho cão solitário não via outro motivo para lhe
chamaram de Adamastor. Só o nome já lhe fazia lembrar a areia e ele detestava areia.
Isso era coisa de gatos.
Naquele momento Adamastor olhava para o pôr do sol e, ao lembrar-se da história do seu nome, lembrou-se de uma história que presenciara naquele mesmo parque, sob aquele mesmo sol, sob aquele mesmo entardecer. Assim como o gigante de pedra se vira numa luta do bem contra o mal também ele conhecera alguém que se vira entre essas duas forças opostas. Sim... fora há muitos anos, numa manhã de janeiro, que tudo começara.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Perturbações

Perturba-me

Apenas saber

Que a vulgaridade das coisas

Tem um sentido!


Perturba-me

Apenas saber

Que caminhamos numa existência

Cruel

E sem sentido!


Perturbam-me todas as minhas perturbações

Lembram-me

A minha insignificância

E a preponderância

De um sonho...


Com ele

Posso acreditar

No impossivel,

Matéria sensível

Que me ajuda a criar

A evoluir

A sonhar

E

A saber valorizar

O que conquisto.


Mas

E o que fica de fora?

Todo o trabalho

Toda a elaboração

Que uma simples questão

Colocou na vida?


Onde fica o empenho

A destreza

A honestidade

O saber ser fiel

A responsabilidade

A beleza das coisas

Pela sua ingenuidade

E ética?


Como nos esquecemos,

De forma tão rápida,

Desta ética...


Ética :

No pensar,

No sentir,

No trabalhar,

No não esmorecer.

Viver uma vida limpa

Sem medo de morrer.


São as minhas frustrações

De uma alma incompreendida...


Talvez chegue esse dia

Talvez venha a constatar

Que a verdade

Mesmo perdida

Há-de sempre

Ganhar.


Será possível assim sonhar?

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Pensamentos incompletos


beijos teus,
sonho
com o teu abraço
esse laço
que é apenas meu
teus ombros
deixam-me fraca
teus laços
apertam-me o coração
diz-me
o que queres que faça
peço-te
autorização









Cartas a um desconhecido VIII

Nestas cartas que escrevo existe sempre um eu que não revelo. Como descrevê-lo? É uma espécie de síntese entre o que sou e o que faço, um intercâmbio de relações que entram em contacto com o coração e o cérebro e despuletam as mais incríveis reacções. Por vezes, nos momentos mais críticos, sei que essa colisão de entendimentos manobra os meus dedos e leva-me a revelar segredos que, sendo meus, não me pertencem. Como explicar? Existe um outro eu, tal e qual como em pessoa, que através de mim fala de situações, paixões e memórias que não são as minhas, nem poderiam ser. E, por mais incrivel que isso parece, identifico-me com esse ser, sei que ele está dentro de mim, cresce e respira como eu, protege-me de outros eus que não quero libertar.


Ouves-me? Escutas tudo o que te digo ou fechas os ouvidos às minhas súplicas incongruentes e melodramáticas que nada mais fazem se não entreter a minha triste pena? Sou uma inútil e sei-o com todas as forças da minha alma. Não vale a pena negares - há muito tempo que tive esta triste confirmação! Por isso, como acreditar que me ouves e me acolhes nas tuas orações quando, bem lá no fundo, reparo que nem eu mesma ouviria alguém que se queixa assim?

domingo, 17 de junho de 2007

Impacto Ambiental - Por outro lado...Azar

Número de azar: 13. Ou de sorte? Conforme a
religiosidade ou o cepticismo de uma pessoa! Em Fátima, pelo menos para a maioria dos comerciantes e hoteleiros, significa trabalho. Desde as sete horas da manhã de um dia até à uma da madrugada do seguinte, de doze para treze, de treze para catorze, não há regra – apenas trabalho!
Escolher entre o emaranhado de hotéis, residenciais e pensões um quarto para dormir no dia doze de Maio é tarefa árdua, se não mesmo quase impossível. Multidões passam a pé em direcção ao santuário, cansadas, esgotadas, com o peso dos corpos sobre os ombros, rosto exausto mas estranhamente alegre, pés inchados dos vários dias a caminhar até ao chamado Altar do Mundo. Os que vêm de carro também não têm muita sorte. Os parques de estacionamento já estão ocupados: por carros, autocarros, caravanas, tendas e churrascos. Da auto-estrada, mesmo a entrar pela rotunda Norte, onde um monumento justamente edificado aos peregrinos se ergue, uma fila de longos quilómetros aguarda a sua vez. A GNR esforça-se por mostrar organização e desenrasco. São todos polícias jovens, rapazes e raparigas, destacados há pouco mais de um mês para a pequena cidade. Param os carros que tentam furar as barreiras até á rotunda Norte e explicam o caminho que estes devem percorrer para chegarem aos seus destinos.
- O senhor faz assim: está a ver o meu colega ali à frente? Vira ali à direita e segue sempre no mesmo caminho até…
- Ó senhor guarda deixe estar que eu sou daqui, conheço os atalhos todos.
O motorista ri-se. Aquela situação dá-lhe sempre gozo. Chegados aos dois dias de Maio em que se comemoram as aparições de Nossa Senhoras aos três pastorinhos de Aljustrel todo o cenário se transforma. De uma pacata terrinha, quase a tocar a aldeia, em que todos se conhecem e convivem ao entardecer nas centenas de cafés e pastelarias da região, nasce um negócio. De um dia para o outro ninguém se conhece, ninguém quer perder a oportunidade de ganhar uns tostões à conta dos peregrinos. Dos colégios da terra, a garotada dos doze aos dezoito anos é recrutada para todo o tipo de serviços: pastelarias, padarias, lojas de santos, restaurantes, hotéis, livrarias… Ganham-se uns trocos, explora-se ali a mão de obra infantil (se a inspecção se colocasse a vigiar a Cova da Iria nestes dias…) durante doze, quinze horas ao dia, e os miúdos, satisfeitos na sua ignorância, ficam contentes por puderam comprar aquele CD, aquele livro, aquele DVD, MP3 ou qualquer outra engenhoca electrónica sem terem que estar constantemente a pedir aos pais.
José Saramago comenta nos seus livros que Fátima é um negócio. Nos dias doze e treze não se sabe muito bem o que de facto se ergue mais alto. Sente-se uma euforia estranha no ar, uma excitação que consegue esquecer que não há sol no céu e as nuvens ameaçam chuva. As pessoas da terra, essas, andam irritadas. Irritadas porque demoram quinze minutos a chegar ao trabalho em vez de cinco. Irritadas porque apanham trânsito logo às oito horas da manhã quando costumavam ficar apenas chateadas quando um carro se demorava a arrancar no semáforo e lá ficavam mais um minuto no vermelho. É um escândalo! – comentam. Os produtos com o dobro do preço, muitas mais pessoas a mexer, a perguntar por isto e aquilo, a reclamar, a ir embora sem pagar. Confusão. Espalha-se uma grande confusão.

Cartas a um desconhecido VII - Rostos da Saudade




Só para não esquecer o teu rosto e ter a certeza de que ele me acompanhará por todos os dias da minha vida... Uma saudade! Daquelas que nos pesam na alma e nos levam a cometer as mais incriveis loucuras, que nos mantêm a esperança e o fogo, a chama da coragem, da preserverança. Só para não esquecer a quem escrevo! Só para não esquecer que fazes parte de mim e comigo continuarás a viver até aos últimos dias que eu partilhar com este mundo!
Saudades...
Saudades de uma existência que levei sem ter consciência que ela não voltaria. Lamentos de uma vivência que era minha - só minha - dedicada a ti e aos teus caminhos, aos teus caprichos. Não me arrependo! Para quê? Hoje anseio por retornar a esses tempos e olhar-te com a mesma inocência com que te contemplava então. Eras o meu rei, a minha alma, a minha sombra. E eu sentia-se completa...
Cuidado! Vem aí alguém...

Impacto Ambiental - Outros caminhos da fé cristã








“…Aproveita muito neste caminho, determinar-se a grandes coisas…ter confiança, e não pôr limites aos desejos, mas crer que, com a ajuda de Deus, se nos esforçarmos, poderemos chegar ao mesmo que muitos santos”

Estas são palavras de Santa Teresa de Ávila, também ela criança, adolescente e mulher como cada uma de nós, e delas podemos retirar vários ensinamentos: que enfrentamos um longo caminho e que temos que lutar para alcançarmos os nossos objectivos; que, com a ajuda de Deus, temos a capacidade inócua de construir grandes obras e alcançar honrosos feitos na vida, na fé e no amor para com os outros. Ela também foi jovem, teve sonhos e ambições, e no seu crescimento procurou também a sua vocação e um caminho perpétuo que pudesse trilhar sem arrependimentos. Não foi fácil. Encontrou bastantes espinhos, bastantes ilusões da vida mundana, perigos inconscientes de que se soube afastar. Na sua clausura carmelita escreveu inúmeras cartas e obras de amor a Deus e aos homens, testemunhos de fé e devoção que lhe valeram o título de doutora da Igreja. Hoje está eternizada junto dos santos e as suas palavras ainda inspiram e fortificam a alma de quem as ouve e nelas reflecte, fonte sadia de esperança para cada uma de nós.
Façamos então como ela que com coragem e determinação realizou os seus desejos. Porque tudo passa e Deus não muda! A paciência tudo alcança. Quem Deus tem nada lhe falta. E só Deus basta.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Impacto Ambiental - Mandamentos Renovados aos Homens

Venho hoje
Sozinha
Fazer uma oração:
Primeiro: Parem a guerra
Segundo: Parem a mentira
Terceiro: Parem o desprezo
Quarto: Parem o preconceito
Quinto: Parem o racismo
Sexto: Parem a dor
Sétimo: Parem o terror
Oitavo: Parem a pobreza
Nono: Parem a tristeza
Décimo: Parem a fome
Décimo primeiro: Nunca parem de parar!

Lá por serem dez os mandamentos
Não podemos ficar
Na eternidade
Do não fazer.

Jesus disse:
«Ajudai-vos uns aos outros!»
Assim, continuemos:
Décimo segundo: Parem o orgulho
Décimo terceiro: Parem a arrogância
Décimo quarto: Parem o dogmatismo, o fundamentalismo, o narcisismo, o autoritarismo e todos os ismos do dicionário da língua universal.
Décimo quinto: Parem a ambição desmedida
Décimo sexto: Parem a ignorância
Décimo sétimo: etc.

Cartas a um desconhecido VI




Depois de tantos anos sem saber aonde pertencia, deparo-me constantemente a pensar que, talvez, não seja bem aqui o meu lugar definitivo. Quando finalmente encontrei este repouso respirei fundo e disse a mim mesma que, por fim, estava tudo terminado! Mas as coisas mudam... Como explicar neste momento que a beleza e familiaridade com que contemplava todas as coisas, estes lugares e estas pessoas, desapareceu? Como explicar? De que forma poderia dizer aos outros que já não me sinto a mesma, que cresci e sobrevivi a tudo o quanto tinha que sobreviver sem conseguir manter a minha alma intacta? Serei inconstante? Seria uma inconformada ou, simplesmente, constantemente insatisfeita com o que possuo?



Todas as minhas cartas a ti são uma série de perguntas de retórica. Uma retórica que, no fundo, nem resposta possui. Poderia argumentar que as faço simplesmente para me tentar compreender, mas o facto subsiste de que não me compreendo nem quando me interrogo. Sou uma insatisfeita! Os dias passam por mim e eu continuo a olhar o futuro com uma ansiedade inerente a quem procura muito mais do que aquilo que possui. Neste caminhar insolente, nunca encontro o que quero, nunca sei qual é o meu lugar, e uma felicidade que já deveria ter alcançado vai-se esvaindo como areia entre os dedos, restos de espuma do mar, ou qualquer outra metáfora que diga que o tempo passa, as coisas mudam e eu continuo sempre aqui. À tua espera? Já nem sei!



Amigo, eu sei que te procuro. No entanto, quando julgo que te encontrei e me decido a assentar redescobro uma amplitude da vida muito maior, outros lugares onde desejaria estar para te conhecer. Enquanto os dias passam, nada faço. Os temores que me suprimem vão crescendo e a angústia em que se tornou a minha existência não acalma. Mas sei, sinto, que esta é uma viagem que tenho que empreender sozinha, sem a tua ajuda misteriosa, sem a tua mão para me salvar. Só assim, quando enfim encontrar o local ao qual pertenço, te poderei olhar sem medos e sem máculos. Direi: Cheguei, Venci! E nada mais neste mundo me poderá deter!



Até ao infinito e mais além

Impacto Ambiental - Princípios


De quantas cores são feitas as nuvens do céu? Para mim são brancas, translúcidas, mas quantas pessoas as vêem assim? Contar histórias através de cores deve ser interessante... Quantas aventuras não poderíamos viver? Quantas recordações não poderiamos acalentar? São apenas nuvens...


Sentada sobre um tronco seco, ela olhava para o céu e questionava-se. Seria tão bom poder partilhar aquelas consierações com alguém... Alguém que, como ela, gostava de apreciar as pequenas coisas, os pequenos princípios, os pequenos detalhes do mundo e das pessoas. Mas essa pessoa, se existia, nunca se tinha encontrado com ela. Tinha ficado no seu pequeno mundo, a observar as suas pequenas coisas e a desejar que a vida lhe trouxesse alguém, também, que lhe fizesse companhia.

Existem tantas pessoas sós! Tantas pessoas que desejariam ter o outro, aquela pessoa com que pudessem compartilhar muito mais que simples desejos humanos. Partilhar sonhos, partilhar crenças, partilhar princípios e considerações. O mundo está cheio dessas pessoas! Mas a sociedade, ilusória, aparente, falsa, não coloca esta solidão no cimo das prioridades. Esta solidão é guardada para dentro, para perto de outros desejos insatisfeitos, e ali fica, sozinha como sempre, por vezes até ao fim dos dias. Nem todos têm a sorte de destruir essa solidão... Nem todos têm a sorte de conhecer o seu oposto, o seu antónimo. Ela é, simplesmente, uma daquelas coisas com que se convive, que se tem como presente, mas que, toda a gente o sabe, nunca irá desaparecer.

Uma pequena lágrima molhou-lhe o rosto redondo e pálido. Ter assim tantas crenças e estar sozinha é de uma tristeza tão grande que, por vezes, quase não se suporta. De vestido verde, pelos joelhos, sentada sobre um tronco velho e sem história, parecia ela mesma um membro daquele jardim. Não diria uma flor - ela sabia que elas flores são belas e sensíveis, arrogantes e vaidosas, não merecendo toda a atenção que lhes depositam - mas a própria árvore morta na qual descansava o corpo cansado e quente do calor de Verão. Sim, uma ávore morta! Daquelas que nos habituamos a ver mas nas quais não reparamos. Um tronco rugoso e despido de toda a vaidade que um dia transportou e exaltou-se aos que o rodeavam. Mas que, agora e para sempre, até a terra o consumir e a pó retornar, estava só e despido, sem outro adorno que não a sua consciência e a sabedoria de tantos anos a observar-se a si e aos outros.

Seria pretensão? Deveria mesmo comparar-se aquela árvore? No fundo, ainda pertencia à sociedade que tanto criticava, ainda ambicionava ser vista e reconhecida. Olhar a natureza só por olhar nada traz de novo, apenas a solidão já tão sua conhecida. No entanto, aprender a partilhar os pequenos momentos que aconchegava na alma e que possuiam uma poesia tão singular poderia permitir um crescimento interior e o nascimento de uma felicidade que ia muito além do que ambicionara. Poderia estar disposta a expor-se? Nunca tivera coragem para grandes actos de bravura. Apenas observação!

As pessoas são naturalmente estúpidas! Levantou-se e caminhou até casa. O mato espelhava tons desérticos sobre o sol quente de Julho. Muitas plantas morriam, de sede, de falta de cuidado. Um bom motor criado pelas pessoas estúpidas podia facilmente responder a esse problema. Que se lixasse o impacto ambiental!

domingo, 3 de junho de 2007

Cartas a um desconhecido - V


Onde estás? Estou á tua espera! Enquanto estiveste comigo nunca me preocupei com a tua ausência, mas… agora… Como explicar? Sinto a falta dos teus braços e das tuas palavras. Sinto a falta dos teus contornos e do sabor a vitória que me proporcionavas. Fazias – me sentir viva, útil, como sempre me quis sentir! E eu não chorava. Eu gritava a felicidade que sentia por estares comigo, por me protegeres e acariciares como se protege e acaricia alguém que se ama. Escrever por escrever, para me sentir completa, partilhar as mil e uma ideias que tinha na mente, as conjugações de palavras, as metáforas, hipérboles, eufemismos e paradoxos de uma existência que então começava… Hoje estou só. Perdi a pena e o tinteiro. Olho para ti como obrigação e a minha mente está vazia. Que faço? Como explicar este vazio que sinto? Volta para mim, volta para os meus braços! A saudade que me consome despedaço a minha alma, a minha sede de querer ser, querer partilhar e ouvir alguém dizer: sim, és capaz!