quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Um ano e alguns meses depois...




Há uns anos valentes, ainda não sonhava eu com esta vida, encontrei-me com o Dr. Sérgio Ribeiro, dirigente da CDU de Ourém, na antiga e extinta livraria “Som da Tinta”. Teria os meus 14 anos, estava numa daquelas fases da vida em que se tomam algumas decisões definitivas, e gostava de escrever. Já não me recordo bem do teor da conversa nem o que fazia ali em concreto, mas nunca me esqueci de uma ideia que fez o centro da nossa meia hora de café: se queres escrever bem, começa por escrever sobre ti própria.
Não sei se o Dr. Sérgio Ribeiro se recorda da tímida visita ou do efeito que ela teve em decisões futuras, mas nove anos depois estava de partida para Macau e, meses mais tarde, em O MIRANTE. Um ano passado sobre toda uma série de vivências, a escrita até pode nem ser excelente, mas vão-se guardando algumas histórias.
Primeiro foi o impacto da mudança. Ourém era a mesma que eu conhecia da infância e da adolescência, mas tinha novos rostos, novas causas e uma linguagem diferente daquela a que me habituara a conhecer. Acabada de chegar da terra onde tudo fervilha, onde parece que a Europa vai envelhecendo à sombra de causas perdidas, voltava à pacatez das mudanças que podem até nem ser grandiosas, mas são marcantes. No fundo, tudo era novidade e se mais tarde não me recordar da maioria das peças que escrevi ou das questões com que lidei ao longo de um ano de estágio, poderei sempre começar por contar que também eu regressei a Ourém num momento de viragem. A todos os níveis.
Depois, foram as pessoas. Os chineses pareciam-me desconfiados, não se entregam, escondem com vergonha o que lhes pode roubar a face. Sorriem quando deviam explodir e ficamos sempre com aquela sensação indesejável de que, em Portugal, já estaríamos à porta. No percorrer das aldeias, tantas vezes meio perdida nos pinhais e em estradas escondidas, era o gosto de estar sobretudo em casa. Até me podiam colocar à porta, mas ao menos sabia os nomes que me estavam a chamar durante o percurso.

Por fim foi o trabalho, com uma rotina diferente da que me ensinaram em Macau. Há questões que nunca mudam e os protagonistas são, em geral, os mesmos. O presidente, os que o rodeiam, a associação, a igreja, as organizações, a população, os jornalistas…e aquela figura mais ou menos carismática que há sempre em cada terra. Só mudou no fundo a língua e a forma como se exprimem as fontes.
E porque não lembrar também o distrito, tão afastado das gentes de Ourém, que se habituou a ver em Leiria a sua segunda casa! Nova descoberta, esta muitas vezes com surpresa. Que sirva de convite para conhecer o que existe mais a Sul, que por vezes parece inóspito mas que tem grandes encantos. De terra em terra, com ou sem indicações, com ou sem vidros partidos e desastres automóveis a registar, foram-se conhecendo lugares que podiam entrar em muitos filmes americanos. E andei eu do outro lado do mundo…
Assim poderia contar daquele dia em que no meio de uma manifestação, no meio da rua, me impedem de tirar fotografias; ou de momentos caricatos na serra de Alburitel, Ourém, em plena tempestade, onde se tentou concluir a custo uma visita camarária; de horas perdidas em conversas com pessoas extraordinárias e que fazem valer a pena todas as linhas gastas a contar as suas vidas. Mas fico-me pelas impressões do ano de estágio, que provavelmente vão mudar no futuro, mas que orientaram todos os meses de trabalho que vivi até hoje.





in O MIRANTE