sábado, 28 de março de 2009

Narrativas de Macau (10) noites de insónia


Mostra e não mostra a terra, mas têm aquele dom de nos querer fazer conhecê-la. Nem que seja para partir garrafas junto das ruínas de São Paulo :)

Isabella (2006)




Balada (1)

De Negro

Do pequeno que és ao belo em que te tornaste, cinco anos passaram num pergaminho de cordas em constante rotação. Ela cantava. Uma balada de sonhos que a faculdade onde estudava eternizava. Do refrão, um famoso filme da canção portuguesa; do coração, a saudade materializada em desejo, perpétuo, que os momentos de arrebatamento e protesto abafado não terminassem, não se esfumassem em anos precoces de vidas vazias ou recheados do Nada. Não precisas que tu digam para reconheceres a tua força! A perseverança transformou-se num rolo de papel dactilografado em latim, num sorriso de escadas com séculos da tua história, na memória – apenas Ela – que te conforta por entenderes que o viveste, o sentiste, e nada mais termina enquanto nela mergulhares.

 

A noite era negra no dia em que a ouviste. Roles e roles de escadas de pedra gasta e paredes polidas. Desce-se a encosta, palmilha-se a calçada. De vestimenta negra e voz rouca, escolhe-se o caminho mais curto até à Sé. Na sua frente, uma multidão de luto canta um melancólico fado. É noite de serenata...A mancha negra move-se em fitas multicolores que esvoaçam em desordem. Uma nota solta.  Pequenos desacordes numa melodia eterna. Desejo de tornar perfeita a tradição. Numa noite enegrecida Ela perdera o coração para aquela terra. Todo o resto foi história; todo o resto recordação.

 

terça-feira, 24 de março de 2009

Passeio Nocturno



Ela saiu, sem dizer nada. Era escuro e estava só. 
A rua corrompia o circuito matutino, mas as dúvidas não permitiam a mudança de direcção. A estrada, outrora repleta, outrora inundada de cheiros, de sons e de cores resumia-se ao vazio da bicharada, aos gatos que trepavam as cercas, aos mosquitos que atacam a pele e aos passeios matinais dos cãos de corrente reforçada. São pretos e castanhos, grandes e pequenos. Temperam a paisagem feita de noite e a rua vestida de negro. A penumbra é de nevoeiro e humidade entranhada. Não se vêem estrelas, não se vê a lua. Os grilos não cantam. Mas há luz, muita luz!!! Falsa, doentia, ofuscante. Luz que embala e conquista, que marca o ponto do tempo, mas que não aquece nem permanece. Apenas imprime o fotograma na retina. 
O passo tem compasso e é feito ao ouvido de um solidão de sombras. A estrada inclina, mas a subida não é de extremos. Sem dizer nada, ela foi seguindo e sonhando, em paisagens de outros tons e outras compaixões. Que teriam e o que fariam, mil e um seres que se cruzam sem se aperceberem que o são. Que ideias, que fantasias? A incompreensão que se faz memória apoquenta um passeio que é curto, mas não é breve.
As figuras sucedem, as histórias repetem-se, o tempo pára. Aqueles que se deixam e que querem voltar, os retalhos inconfundidos de um pretérito imperfeito por esquecer. E após o tempo, vem o que a estrada ocupa, passo por passo na calçada da igreja. E os fantasmas que são de carne e os espíritos que são de vidro. E as portas que batem e o vento que não assobia. O que não se sabe poder esperar na porta ao lado...

segunda-feira, 23 de março de 2009

O Fim da Aventura: Libertada Kathleen Soliah



Há vidas que superam a ficção. Não tanto pelo que defendia em si, mas por toda a conjuntura à qual pertenceu, esta história é digna de ser lembrada. Foi libertada uma das últimas grandes radicais juvenis dos anos 70. 

ver especial JTM (aqui



sexta-feira, 20 de março de 2009

Lembrando...


Já que estamos na China e recordamos Natasha Richardson

"A Condessa Russa"

Obituário


Natasha Richardson (1963-2009)



Por Jorge Mourinha

in Ípsilon, Público

Os seus últimos papéis no cinema foram em "A Condessa Russa" (2005), de James Ivory, "Ao Anoitecer" (2007), de Lajos Koltai, ambos contracenando com a sua mãe, e na comédia juvenil de Nick Moore "Wild Child" (2008), e preparava uma nova montagem da comédia musical de Stephen Sondheim "A Little Night Music".

Da actriz Natasha Richardson, falecida ontem em Nova Iorque aos 45 anos, a primeira coisa que todos os obituários dizem é a sua pertença a uma das mais ilustres genealogias do teatro e do cinema britânicos.

Era filha da lendária actriz Vanessa Redgrave e do realizador Tony Richardson, um dos "angry young men" cinema inglês dos anos 1960, bem como sobrinha dos actores Lynn Redgrave e Corin Redgrave, e neta de Sir Michael Redgrave, um dos mais lendários actores ingleses do pós-II Guerra Mundial.

Mas o ilustre nome de família era para Natasha um albatroz à volta do seu pescoço. Apesar dos prémios que a sua participação em produções da "Gaivota", de Tchekhov, em 1985, e de "Anna Christie", de Eugene O'Neill, em 1992, lhe valeram, nunca conseguiu impôr-se em Inglaterra para lá do nome de família, e acabaria por se mudar de armas e bagagens para os EUA, em parte para fugir a esse albatroz.

Nunca hesitou em abandonar a representação por longos períodos de tempo para tratar da sua vida familiar - primeiro com o produtor teatral Robert Fox e depois com o actor irlandês Liam Neeson, com quem era casada desde 1994, após terem contracenado na Broadway em "Anna Christie" e no filme de Michael Apted "Nell" (1994).

Numa primeira fase da sua carreira, em finais dos anos 1990, participou numa série de filmes mais próximos daquilo que hoje se definiria como "cinema independente". Títulos como "Longe da Guerra" (1987), de Pat O'Connor, "O Rapto de Patty Hearst" (1988) e "Estranha Sedução" (1990), de Paul Schrader, ou "A História da Aia" (1990), de Volker Schlöndorff.

A aclamação que recebeu nestes títulos levou a alguns trabalhos de prestígio para a televisão por cabo americana - como uma adaptação de "Bruscamente, no Verão Passado", de Tennessee Williams, ao lado de Maggie Smith e Rob Lowe, ou o papel da esposa do escritor F. Scott Fitzgerald no telefilme "Zelda" (ambos 1993).

Retirando-se para tratar dos seus dois filhos pelo casamento com Neeson, passou a aceitar papéis mais irregularmente. No cinema, surgiu ao lado da estrela teen Lindsay Lohan em "Pai para Mim... Mãe para Ti" (1998) ou de Jennifer Lopez em "Encontro em Manhattan" (2002). No teatro, ganhou um prémio Tony em 1998 pela produção da Broadway do musical "Cabaret", dirigida por Sam Mendes, fez parte de uma das produções da peça de Patrick Marber "Perto Demais" (filmada por Mike Nichols com Julia Roberts e Jude Law) e recriou Blanche DuBois numa nova produção de "Um Eléctrico Chamado Desejo".

Os seus últimos papéis no cinema foram em "A Condessa Russa" (2005), de James Ivory, "Ao Anoitecer" (2007), de Lajos Koltai, ambos contracenando com a sua mãe, e na comédia juvenil de Nick Moore "Wild Child" (2008), e preparava uma nova montagem da comédia musical de Stephen Sondheim "A Little Night Music".

A actriz encontrava-se de férias no Canadá quando caiu na neve enquanto aprendia a esquiar, na passada segunda-feira. Embora se sentisse aparentemente bem e tenha regressado ao hotel pelo seu próprio pé, acompanhada pelo monitor e por um médico, queixou-se de dores de cabeça algum tempo depois e foi hospitalizada de urgência, acabando por ser transportada para os EUA na terça-feira, falecendo num hospital nova-iorquino na noite de quarta-feira

Nascida em Londres em 1963, Natasha Jane Richardson estreou-se no cinema em 1967, aos 4 anos de idade, como figurante em "A Carga da Brigada Ligeira", dirigido pelo pai, e no teatro em 1986 numa produção de "A Gaivota", de Tchekhov, dirigida por Charles Sturridge, ao lado da sua mãe e de Jonathan Pryce. Deixa dois filhos, de 13 e 12 anos, do seu casamento com Liam Neeson.

terça-feira, 10 de março de 2009

segunda-feira, 9 de março de 2009

A orientação política correcta

Differences stressed between China's NPC and western systems

by China Daily ( cita Xinhua)

BEIJING -- Top Chinese legislator Wu Bangguo on Monday called on the country's lawmakers to maintain the correct political orientation, stressing the "essential differences" between the system of China's people's congresses and Western capitalist countries' system of political power.

Wu Bangguo, chairman of the Standing Committee of the National People's Congress (NPC), delivers a report on the work of the NPC Standing Committee during the second plenary meeting of the Second Session of the 11th NPC at the Great Hall of the People in Beijing, capital of China, March 9, 2009. [Xinhua] more photos

Maintaining the correct political orientation is essential to the success of the work of the people's congresses, said Wu, chairman of the Standing Committee of the National People's Congress (NPC), when delivering a work report of the committee at the annual NPC session.

The most fundamental aspect in maintaining the correct political orientation is to "organically integrate the leadership of the Party, the position of the people as the masters of the country and the rule of law," Wu noted, adding "the core" is to uphold the leadership of the Party.

"We must more fully recognize the essential differences between the system of people's congresses and Western capitalist countries' system of political power," Wu said.

"China's system of political parties is a system of multiparty cooperation and political consultation under the leadership of the Communist Party of China (CPC), not a Western-style multiparty system," he said.

The system of the people's congresses is not a Western system with the separation of the three powers, Wu said.

Deputies to the people's congresses are broadly representative and they do not represent a single party or group as members of Western parliaments do. They exercise their lawful duties and powers collectively at meetings, rather than each deputy addressing problems directly and separately from other deputies, Wu added.

China must draw on the achievements of all cultures, including their political achievements, but shall "never simply copy the system of Western countries or introduce a system of multiple parties holding office in rotation, a system with the separation of the three powers or a bicameral system," Wu said.


E já lá vão 50 anos!

Porque será que esta menina, há 10 anos, me lembrava a Claudia Shiffer e agora me parece a Gisele Bundchen? Coisas dos tempos...

sexta-feira, 6 de março de 2009

Narrativas de Macau (9) na caverna, entre outras cegueiras




Macau é a terra dos casinos. Actualmente existem 31, 19 dos quais sob o controlo do magnata da zona, Stanley Ho. A ele, aliás, se deve a grande parte do desenvolvimento da zona, pertencendo-lhe a primeira casa de jogo da RAEM: o Casino Lisboa. Nos últimos anos, no entanto, as grandes empresas de Las Vegas descobriram a terrinha do Santo Nome de Deus, razão pela qual o território foi invadido por Venetian, Four Seasons e afins. O progresso, já diziam os antigos, tem os seus benefícios e as suas fraquezas. Uma das questões sociais que mais preocupa a sociedade de Macau é o abandono escolar dos mais jovens, que se direccionam quase exclusivamente para os empregos proporcionados pelos casinos. Em tempo de crise e de limitação da entrada de trabalhadores estrangeiros, as agências de emprego debatem-se com a falta de habilitações dos residentes para muitos dos cargos onde continuam a existir vagas. É um facto, o pessoal da terra não tem qualificações! 
Entretanto, muitos dos empreendimentos que estavam para abrir este ano pararam ou continuam em slow-motion, consoante vai havendo dinheiro para as obras. Pessoalmente, a zona do Cotai só me lembra um estaleiro. Talvez a situação melhora quando inaugurar o único casino que manteve mais ou menos os seus planos, o City of Dreams (uma coisa enorme diga-se).
Não é minha intenção estar aqui a dissertar sobre os casinos e a indústria do jogo, tema sobre o qual tenho escassos conhecimentos e nem me compete a mim julgar até que ponto este tipo de negócio é bom ou não para Macau. Não sou da terra, estou cá há pouco tempo, e a bem das realidades entrei em pouquíssimos desde que aqui cheguei. É quase sintomático, encontro um escondido para cada canto que me vire. Tal como em Coimbra a cidade está completamente virada para a Universidade, Macau está completamente dependente dos casinos. Nunca vi tantas lojas de câmbio juntas na minha vida. A cidade, à noite, faz recordar uma feira popular tal é a intensidade cromática das luzes dos grandes edifícios. Talvez por ainda ser novata, tudo isto que me encanta de algum modo, dá uma vivacidade à terra que, de outra forma, mais não seria que que a cidade de província que, lá bem no fundo, parece ser e muitos dizem ser a sua verdadeira face. 
Quem quiser dar uma volta pelos casinos, vai ser conduzido quase de imediato ao Venetian. Imitação de Veneza em plena China, destoa um pouco do ambiente geral, se é à procura da cultura chinesa que o turista vem. Logo ao lado há o Four Seasons, que ainda não conheci, mas que arregala tanto o olho como o anterior, que é, aliás, o maior casino do mundo. Temos o MGM, o Wynn, o Casino Lisboa, o Grand Lisboa, o Sands, o Grand Emperor, o Fishermen's Wharf, entre muitos outros. De resto, é só procurar - por aqui locais onde se possa perder dinheiro é coisa que não falta. Falta sim - segundo me contam - alguma diversificação das ofertas, essenciais ao desenvolvimento sustentável da indústria. Ao contrário de Las Vegas, onde existe mais oferta, aqui os casinos resumem-se quase só às mesas de jogo, slot-machines, hotéis, bares e restauração. O problema, julgo, não levará muito tempo a ser resolvido. As clínicas Maló vão abrir um SPA no Venetian, procurando oferecer essa variedade que muitos apontam como necessária.
Em termos muito genéricos e ponderados, acho que se pode dizer que este é o meu conhecimento da área. Os meus passeios pelo interior destes casinos são quase tão aventureiros como os que empreendo pelas ruelas apertadas de Macau. A ostentação, as lojas de luxo (não há marca que não tenha aqui uma loja), as reproduções das cidades europeias, tudo enche tanto o olhar que é difícil evitar a tentação de querer entrar e tentar a sorte. 

Há uns anos ofereceram-me um livro do Saramago chamado a "Caverna". Adorei, realmente, confesso que não estava à espera que me cativasse tanto. Contudo, fiquei sempre com a noção que me tinha escapado por ali uma parte essencial da história. A teoria da Caverna de Platão não me era estranha e se era essa a analogia que o autor pretendia, confesso que a encontrei com relativa rapidez. Ficou, no entanto, ali uma réstia de dúvida que até hoje, por vezes, me assalta o pensamento e me faz divagar um pouco sobre o verdadeiro significado do livro.
As obras literárias, como tal, não são unas, tem uma fonte infindável de interpretações em que o olhar do autor é apenas mais um de entre todos os outros possíveis. Quando saiu o filme do Fernando Meirelles, "Ensaio sobre a Cegueira",  uma amiga insistiu comigo e com a minha irmã para que fossemos ver. Não foi necessária muita insistência. Apesar de ambas preferirmos ler os livros antes de ver os filmes, aquela era uma história já por nós subejamente conhecida e interpretada por mais do que uma pessoa. Por isso lá fomos satisfeitas, julgo até que tivemos que o tentar fazer umas duas vezes pois o cinema estava completamente esgotado naqueles primeiros dias.
Na altura a minha amiga, tal como eu em "A Caverna", havia feito a sua interpretação, mas continuava a sentir que alguma coisa lhe escapa. Partilhou connosco as suas dúvidas antes do filme começar e pediu-nos atenção para variados momentos da história que, pelos vistos, estava bastante fiel à original: porque os santos tinham os olhos vendados, porque é que a personagem feminina nunca havia cegado. Se bem me recordo, a tese da Liliana incidia no facto da nossa atenção estar tão centrada na visão dos Media e da comunicação social em geral, que não nos apercebíamos o quão iludidos e enganados nos encontrávamos com a realidade. Por tal, até os santos, envergonhados/cegos haviam cegado. Essa cegueira branca era a cegueira do excesso de tudo: de comunicação, do mundo mediático e da ilusão da realidade que transformou a humanidade numa anedota de si mesma.
Lembro-me que viemos os 20 minutos de regresso a discutir o filme, as opiniões de cada uma a respeito. Acho que foi das conversas mais filosóficas que tivemos. Julgo que concluimos mais ou menos todas a mesma tese. Mas porque a mulher não havia cegado? Lançámos palpites: todos estavam de tal forma confiantes na sua interpretação da realidade que nem se apercebiam que já não possuíam livre arbítrio, por tal cegavam; na ilusão do que eram e daquilo a que tinham chegado, não se apercebiam que continuavam a ser sobretudo humanos, básicos; alguém referiu que até o pequenote do filme tinha sido enviado sozinho para a zona de quarentena, à sua sorte; o medo do desconhecido num mundo repleto de tudo era tal, que preferiam esquçê-lo a enfrentá-lo....
A conversa deu várias voltas, muitas das quais bastantes elaboradas e que hoje já não recordo. Contudo, na altura, a dado momento, uma de nós lançou: a mulher não cegou porque escolheu participar. No momento em que ela combateu o que lhe era dado, afirmou a sua escolha, a cegueira não a atingiu. E aí pode ver como de facto era a realidade. 
Lembro-me que ficámos todas caladas meio segundo tipo a pensar: Deus, é isso! É tão simples, como não o compreendemos? É sabido que as coisas simples são as mais difíceis de compreender. "Fez-se luz" - comentámos a rir. Também nós abrimos os olhos.

No entanto, no que concerne à Caverna, continuava eu de olhos fechados e, infelizmente, não há nenhum filme a respeito a sair e não conheço ninguém que tenha lido o livro. De modo que até ontem a luz não se tinha feito.
Fui fazer um trabalho ao Fisermen's Wharf e, antes de me vir embora, resolvi dar uma voltinha apenas para tirar umas fotos e não me perder, como tinha acontecido, da próxima vez que ali voltasse. Confesso que de todos os casinos em que entrei aquele é o que considero mais bonito. Tem reproduções de todos os recantos do mundo, de modo que num instante podemos estar na Cidade Proibida e, no seguinte, nas ruínas gregras. Num momento estamos em África e, no outro, em Portugal. E depois é o rio, o cenário sobre o Porto Exterior, que de certa forma me encantou.
Uma coisa que não tem nada a ver com isto e, ao mesmo tempo, tem tudo. O meu pai trabalha na construção civil e é hábito que onde quer que vamos, a um centro comercial ou visitar amigos, ele tem sempre o costume de se colocar a observar a construção do edifício, os materiais, etc. Eu e a minha irmã a ver a lojas e ele a bater nas paredes para ver se o material é bom. Aquele costume ora me diverte ora me irrita, consoante a disposição e o local, mas é curioso que, em Macau, já várias vezes me surpreendi a fazer o mesmo. 
No outro dia ouvi um seminário em que o orador comentava, pesaroso, que o design chinês tem sido consecutivamente suprimido pela globalização. A sua ideia consistia em preservar as linhas culturais, de modo que a China pudesse manter um cariz próprio, um rosto seu que não seja eternamente datado àos velhos templos e aos monumentos nacionais. Dizia também que é uma luta constante com as empresas de cnstrução para que usem materiais mais sólidos, de melhor qualidade. É uma das características da terra, tudo muito prático, barato e rápido.
Já tinha notado no Venetian que o local, para um sítio recente, já tem vários buracos de velhice em muitos cantos. Passeando pela "Doca dos Pescadores", apercebi-me do mesmo. O que me levou a pensar: tanto luxo, tanta ostentação e, no fundo, tudo não passa de ilusão. Está tudo a cair aos bocados.
Acho que me deu uma epifania. Recordei-me de quando, no centro, o cenário final da Caverna, descobrem um par de esqueletos a olharem para uma parede e alguém comenta: somos nós! De repente, muitos dos momentos de mais ostentasão que me passaram pela frente se conjugaram na realidade e vi-me, também a mim, a olhar para uma sombra numa parede. Estes locais por onde passeamos e que nos atraem para os prazeres materiais da terra não fogem muito àquele centro desenhado por Saramago. Eu estava na Caverna, ainda que não me tivesse apercebido disso. 
Talvez por na altura ainda ser muito nova muitos dos momentos do livro me escaparam. E, mesmo hoje, não posso dizer que o tenha percebido na totalidade. Julgo, no entanto, ter desvendado algumas das dúvidas que sempre me perseguiram. E a caverna encontrei-a aqui, bem longe de casa, mas tão perto do mundo.