Ela saiu, sem dizer nada. Era escuro e estava só.
A rua corrompia o circuito matutino, mas as dúvidas não permitiam a mudança de direcção. A estrada, outrora repleta, outrora inundada de cheiros, de sons e de cores resumia-se ao vazio da bicharada, aos gatos que trepavam as cercas, aos mosquitos que atacam a pele e aos passeios matinais dos cãos de corrente reforçada. São pretos e castanhos, grandes e pequenos. Temperam a paisagem feita de noite e a rua vestida de negro. A penumbra é de nevoeiro e humidade entranhada. Não se vêem estrelas, não se vê a lua. Os grilos não cantam. Mas há luz, muita luz!!! Falsa, doentia, ofuscante. Luz que embala e conquista, que marca o ponto do tempo, mas que não aquece nem permanece. Apenas imprime o fotograma na retina.
O passo tem compasso e é feito ao ouvido de um solidão de sombras. A estrada inclina, mas a subida não é de extremos. Sem dizer nada, ela foi seguindo e sonhando, em paisagens de outros tons e outras compaixões. Que teriam e o que fariam, mil e um seres que se cruzam sem se aperceberem que o são. Que ideias, que fantasias? A incompreensão que se faz memória apoquenta um passeio que é curto, mas não é breve.
As figuras sucedem, as histórias repetem-se, o tempo pára. Aqueles que se deixam e que querem voltar, os retalhos inconfundidos de um pretérito imperfeito por esquecer. E após o tempo, vem o que a estrada ocupa, passo por passo na calçada da igreja. E os fantasmas que são de carne e os espíritos que são de vidro. E as portas que batem e o vento que não assobia. O que não se sabe poder esperar na porta ao lado...
1 comentário:
Muito bonito este texto. Há certas pessoas que parecem caminhar pela vida assim, na escuridão, temendo a luz que emana de outros seres. O mais triste é quando os próprios não se apercebem disso... pronto, ando deprimida, esta casa só tem gente doida!
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