quarta-feira, 25 de junho de 2008

a outros estios

Faz da inveja a última estrada


é de mim que tenho medo


a pena quando passada


é memória


nunca segredo





Dos dias que não falo nem escuto nada




guardo o sol


momentos de alegria


ao mundo quando descoberto


é caixa


para sempre vazia





Os homens


seres bestiais


partem o mundo em duas caras





Nunca podemos desconfiar


quando a terceira nos bate à porta


A derrota é certeira


a crença nunca sagaz


a gentileza passageira


revela os murmúrios que subjaz







O dia cai


a vida cresce


a noite chega


a esperança perece...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Epílogo



Antes de iniciar o luto pela moral que, por estes dias, vai andar bem lá no fundo do poço, uma pequena advertência: a bola é redonda, tanto dá para o nosso lado como para o dos outros! Se não foi desta, fica para a próxima. Pelo menos este ano a esperança ficou nos quartos de final. A sensação é bem pior quando é mesmo no último jogo que ela morre! Por tudo isto, uma salva de palmas! Desta vez, sempre jogámos a valer, com bastante fúria inclusive, e fez-se o que se podia ter feito naquele momento, naquelas condições. Há-de chegar o dia em que vamos ganhar. Pode é não ser nos tempos mais próximos!
Um adeus também para o senhor Scolari, que a brincar aos santos e a puxar pelo nacionalismo , a bandeirinha na janela, lá fez mais por Portugal que alguns políticos. Subiu a moral, fez viver o espírito. Que tenha muita sorte, muitas vitórias, em terras do Norte. Se ele se queixava da comunicação social portuguesa, agora é que vai sofrê-las! Ah não senhor, não vai ser pêra doce! Quem está habituado ao sol e a alguma compostura, vai ter problemas em dançar à chuva. Que tenha prudência, é o que se lhe deseja! Sempre lhe devemos um segundo e um quarto lugar! Para quem mal passava dos oitavos é bastante bom.
Foi-se o jogo, ficaram os amigos. Daqui por dois anos é o mundial. Talvez dê para contar outra história...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Contos da Madrugada - Regressos

Um dia, sem aviso, resolveu voltar de terras novas à areia vermelha, mastigada, de quantas lendas o mundo tem. Sozinho, de malas às costas, correu pérolas e mares bravios até regressar, meio tonto, meio velho, ao destino proposto. Tudo estava diferente! A velha padaria era agora um campo de mato e erva daninha, onde nem a garotada tinha coragem de penetrar. Gaspar Sousa, o presidente, morrera de fígado, a maldita doença que o consumiu sem ele se queixar, que lhe rasgava a alma e corrompia o coração, mas à qual ele negava quase sempre o seu entendimento. A velha que todos os dias acorria à fonte desaparecera. Onde estaria Clementina? A gazela maltratada, paixão da sua juventude, crente de que a idade adulta lhe traria a liberdade que tanto almejava. Partira? Morrera? Ainda sonhava? Queria voltar a conhecê-la, talvez mesmo a amá-la. Mas a ideia ficaria para outra altura.
- Desapareceu. - alguém sussurrou quase a medo, por debaixo do alpendre negro da igreja - Dizem que foi na noite do crescente, junto à fonte.
- Junto à fonte? Qual fonte?
- Não conhece? - a surpresa surpreendia o medo e a tristeza a denúncia. Clementina fora um exemplo, que ninguém ousava contestar - Foi castigo, só pode! Aquela garota despreocupada, inconsequente! Vivia com a certeza de que nada a afectava, ora aí está uma maldição jeitosa. Desapareceu na fonte, durante a madrugada. A mãe anda chorosa, o pai morreu. Garotas como aquelas nem o diabo deseja...
Mas não se dizia - pelo menos eram essas as histórias das velhas - que era ele quem as procurava? Clementina era bela, bonita demais para terra tão vadia! Como não compreender os desejos do cornudo, ainda que fossem mal acolhidos pelos campónios? Era inveja, só podia!
Desiludido, palmilhou quilómetros de solidão exasperada, talvez sonhando, talvez acreditando, que o seu anjo pecaminoso lhe tornaria as braços, lhe revelaria estranhos enredos, estranhas paixões. Ele - só ele - que construíra naqueles anos o reencontro mais apaixonado desde o findar do último século. Todo o cenário estaria montado! A luz da tarde incidindo sobre a pele morena de Clementina, aquele vestido verde carmim que ela usava em adolescente na primavera, os seus olhos de fera bem abertos, certos dos momentos de idolatria que lhe haviam sido prestados naquela ausência. O ar pesado e quente de um entardecer de verão, a rua vazia, desnuda dos animais de feira e do cheiro a esterco destinado às plantações, as janelas de torno branco e cortinas semi erguidas, véus de mulatas ansiosas pelo prenúncio de uma tempestade humana. O assobio dos pássaros da época em sinfonia beethoveniana, tão completa, tão estrondosa, que faria o chão tremer mal dois olhares de saudade se cruzassem.
Ali estava ela, a fonte. Quase seca, a corrente tinha parado nos últimos tempos. Desde que desaparecera Clementina. Sentou-se no seu rebordo, passou pelas mãos a pouca água que ainda retinha o lodo no fundo. Gélida, como a rocha de onde provinha. Ele e ela costumavam correr para aquelas bandas, em miúdos, desejosos de encontrarem histórias do outro mundo que pudessem relatar à garotada. Nunca tal tinham descoberto, mas as aventuras tinham o mesmo sabor a pecado, ao interdito, e as descrições de encontros alternativos extasiavam os mais novos, aqueles que se reuniam para os ouvir. Sentia falta daqueles tempos, dos dias que não acabavam, das tardes que duravam para sempre. Dos minutos e das horas que se prolongavam por muitos dias. Do tempo passado.
Lamurioso, inclinou-se sobre a bica para beber um pouco daquela água já escassa. O seu coração parou, sentiu a respiração cortar-se no mesmo instante. Era ela! Clementina estava ali! O rosto dela, nítido, belo, eterno, preso na água translúcida da fonte. E chamava por ele...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Macau no horizonte



em setembro ou março, do outro lado do mundo

sábado, 7 de junho de 2008

uma daquelas surpresas

sequência «Nevers»

Prefácio





Um pouco de esperança - ainda que as possibilidades de vitória não sejam por aí além - nunca fez mal a ninguém. Se nos restar uma desilusão como a de há quatro anos, não terá sido mau de todo. Antes ir coleccionado vices - vitórias que o último lugar nas tabelas. Não vou gritar por Portugal a plenos pulmões, exultando como uma louca o poder da nossa selecção, mas vou vibrar com esperança nos jogos da selecção portuguesa.
De parte fica a irritação por os nossos Media parecerem ver no Cristiano Ronaldo a salvação da nossa alma moribunda. Se o pobre do rapaz calha a estar num dia mau, lá se vai todo o espírito do jogo. Para não falar do ambiente pouco justo para o resto dos jogadores que também fazem o seu trabalho, também lutam pela vitória e que poucos parecem recordar quando é a altura de dar os vivas. Não queiramos - como é costume na história portuguesa - ser governados por um único herói, um dom Sebastião de calções e a fazer piruetas com a bola! Está na altura de nos vermos como um povo, um colectivo, onde cada um faz o que pode pelo bem de todos. Talvez nesse dia ganhemos efectivamente alguma coisa.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Ponto de Exclamação


Lince-ibérico vai ter casa no Algarve06.


in Público

06.2008

Helena Geraldes


O felino mais ameaçado do mundo vai ter casa no Algarve. Esta tarde foi lançada a primeira pedra do Centro Nacional de Reprodução em Cativeiro para o Lince Ibérico, na Herdade das Santinhas, Silves.
Hoje está “virtualmente extinta” em Portugal uma espécie que há 150 anos abrangia praticamente toda a Península Ibérica. A população mundial reduz-se a 150 indivíduos, todos em Espanha. Estes números carregam de uma “responsabilidade enorme” o centro de reprodução algarvio, que quer trazer o lince-ibérico (Lynx pardinus) de volta a Portugal, disse ao PÚBLICO Artur Ribeiro, administrador da Águas do Algarve, entidade responsável pelo centro.“Queremos ajudar a que se possa dizer que existe lince-ibérico em Portugal e não só em Espanha”, comentou, minutos antes do início da cerimónia de lançamento das obras de construção.A nova “casa” do lince tem vista para a albufeira da barragem do Arade e vai nascer na Herdade das Santinhas, com 156 hectares, como medida de compensação pela construção da barragem de Odelouca, imposta pela União Europeia. As obras deverão estar concluídas até ao final do ano e os animais poderão começar a chegar a partir do início de 2009. Um “prazo curto”, nas palavras de Artur Ribeiro. “Esta é uma obra complexa, que inclui vários edifícios, como o centro de reprodução, laboratórios, habitações, centro de quarentena, centro de coordenação e cercados”.O projecto está a ser acompanhado de perto pelo Centro espanhol de criação em cativeiro e técnicos portugueses foram a Espanha “aprender para não cometer os mesmos erros”, explicou Artur Ribeiro. Numa primeira fase, Espanha - que, no ano passado tinha 37 linces em três centros -deverá ceder a Portugal oito linces, cumprindo o programa ibérico de repovoamento, cujo protocolo foi assinado a 1 de Setembro do ano passado entre o ministro do Ambiente Francisco Nunes Correia e a então ministra do Ambiente espanhola, Cristina Narbona.O Centro na Herdade das Santinhas tem capacidade para 16 animais. “Queremos fazer trocas de linces entre os que nascem em Portugal e os que nascem em Espanha, para evitar a consanguinidade” na espécie.Os linces que serão enviados de Espanha para Portugal são aqueles que nasceram em cativeiro, que foram capturados no campo enquanto juvenis ou que estão em centros de recuperação, depois de terem sido encontrados feridos.Além deste centro de reprodução será construído um centro de divulgação ao público, com ligações em directo, através das câmaras de vigilância, à “casa do lince”. Mas este está mais atrasado. “Ainda estamos a preparar o lançamento do concurso de concepção e construção”, adiantou Artur Ribeiro.Para Tito Rosa, presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), “este centro é fundamental”, um “investimento importantíssimo, basilar”. “Acreditamos seriamente que é possível reverter a situação” da extinção virtual do lince em Portugal. Mas o centro de reprodução não é o único trunfo. Tito Rosa lembrou também a recuperação dos habitats e presas naturais para a futura reintrodução da espécie em estado selvagem.

terça-feira, 3 de junho de 2008

retalhos

Faz do teu dia o último
assim como conta a madrugada
a esperança,
ainda que não se pressinta,
nunca faz parte de uma história passada

Por isso aqueles dias que correm
sem ter bem a certeza daquilo que são
conto-os aos primeiros toques da madrugada
fazem parte dos meus sonhos
dos atalhos da recordação

O meu amor pelas pequenas coisas
não faz de mim obstinada
apenas me diz,
sem remorsos,
que sou mais que aquela moça
por todos esquecida
e por todos esperada

Ode a Nix



Chegou a Primavera! Parece anúncio de campanha publicitária a uma qualquer marca de roupa, mas a Primavera – é um facto – não vende só matéria, vende também ideias, conceitos. Quem se aproximar por estes dias do Jardim Botânico de Coimbra não terá que desembolsar os habituais euros (como é prática corrente na maioria das visitas culturais desta cidade), mas deverá abrir a mente. Quem não for entendido, que reabra o espírito! Chegada a Primavera, algumas coisas são mesmo o que parecem ser…

O primeiro olhar desperta o eterno paradoxo do natural versus o material, o belo versus o feio, o elegante versus o rude, a obra humana, fria, crua, opaca, e a obra de Deus, quente, multiforme, perfeita. Mas porque não partir por esse caminho? O desfilar das peças de Rui Chafes (escultor lisboeta cuja inspiração artística advém do romantismo alemão) pela avenida central do Botânico não se confunde, não se mistura, muito menos pode passar anónimo aos olhares dos estudantes que, de pasta debaixo do braço, se perguntam por que mãos – do céu ou da terra – aquelas esculturas em aço, a sucumbirem, elas próprias, aos ditames da natureza, vieram aterrar (ou pairar, consoante os casos) na paisagem primaveril daquele jardim de Coimbra. Uma ou outra são, inclusive, vítimas da rebeldia juvenil, onde redes que suspendem esferas com adornos de fogo fazem as vezes de cestos de basquete a vários tipos de embalagens de refrigerantes.

A exposição tem por título A mesma origem nocturna. A placa que lhe serve de legenda afirma que o Romantismo de Chafes só poderia encontrar paralelo ao Racionalismo do Botânico. O marquês, provavelmente, não acharia piada a tais modernices! Imaginá-lo passeando por entre obras que fazem o reflexo da arte contemporânea, que buscam as imagens de estranhos objectos de guerra, alguns até de tortura, é vê-lo subir ao palanque da forca para cumprimentar a Senhora Távora. Tem a sua piada, o seu glamour, uma estranha inclusão de sentido, ainda que desconexo, mas continuamos a assistir ao rebaixar do mais nobre perante o poder do mais forte.

De nocturno há a sensação do retorno aos Génesis, a criação divina que se rompe do negro vazio e a obra humana criada para os mais obscuros fins. O jardim e a escultura, então, completam-se! Já não são elementos conjugados no mesmo espaço por um estranho acaso do destino, mas obras moldadas nas mesmas malhas incógnitas, frutos de enigmas que a humanidade transporta, de que é filha, costela deslocada do corpo, mas cujo verdadeiro sentido, primeiro objectivo, ainda hoje desconhece. Como justificar uma flor, o coaxar de uma rã na fonte coberta de lodo, os líquenes que se incrustam no aço, o quente calor da tarde que sufoca e traz a Abril a Primavera? Como explicar a suspensão das esferas, que parecem em breve cair sobre nós como balas de canhão, a base metálica malhada de uma espécie de maca tanatológica ou um tripé de vários metros a recordar um estranho engenho de batalha? Quem compreende o tempo, que passa por nós como flecha, que nos levou a sonhar, a criar, a conceber todo um mundo que se suporta destruindo a natureza? Todos nos surgem eternamente presentes, não lhes podemos negar a nossa inteligência, mas nem um nos pode fazer entender a sua criação.

As peças de Chafes e o Botânico parecem assim partilhar a mesma origem, ainda que não pertençam à mesma matéria. Uma ode a Nix, deusa grega da noite, irmã do Caos, mãe da Morte, dos Sonhos. Forma algo simples de dizer que, apesar das dúvidas, todos sabemos quem somos e o que queremos, mas não de onde vimos nem para onde vamos. Entre o racional e o romântico permanece a incerteza da existência, as suas dualidades, as suas incoerências. Por muito diferentes que sejamos, no fundo, todos possuímos a mesma essência!