sexta-feira, 22 de junho de 2007

Cartas a um desconhecido IX - Adamastor


Gosto de escrever sobre o final da tarde quando todos se recolhem em suas casa e olham atentamente para o pôr do sol. No campo, na praia,na cidade ele tem sempre a mesma magia, a mesma melancolia. Nas tardes de verão ele torna-se mais luminoso, mais belo,
mais romântico... Quantas histórias não terão começado num simples pôr do sol e que terão dado destinos tão variados às diversas personagens? O Afonso, aquele que trabalhava na leitaria do Sr. Carlos, partiu para os Estados Unidos deixando para trás toda a história das suas mágoas e tristezas e tornou-se num homem rico e influente. A Catarina, aquela professora simpática da escola secundária, casou e foi muito feliz mas acabou por morrer num acidente trágico numa manhã triste denevoeiro. Aquele casal que se encontrava às escondidas na igreja de Santa Filomena acabou por separar-se e nunca mais se voltaram a encontrar.
E assim termina uma daquelas histórias que, começando com tão belo cenário, acabam por dar fins inexplicáveis às suas personagens.
Esta história também começa numa tarde de Verão em que o crepúsculo começava a dar o ar da sua graça. Num grande parque, único espaço verde de uma grande cidade, um cão velho e com aspecto de sábio, está deitado ao pé de um dos bancos do jardim. Por ele já passaram muitos cenários semelhantes. Ainda se lembra daquela tarde em que o
Banco fora assaltado e que ele apanhara o ladrão com uma valente mordidela. Desde então passara toda a sua vida vigiando aquele parque juntamente com o seu dono, o velho guarda Fonseca.
Chamam-lhe o Adamastor. Nunca percebeu a razão daquele nome. Uma certa vez ouvira alguém dizer que se tratava de um gigante solitário que fora transformado em rochedo por ter ousado amar a filha do deus do mar. E que, um certo dia, se viu confrontado com navegadores portugueses que quase morreram esmagados nos seus rochedos. Mas à excepção de ser um velho cão solitário não via outro motivo para lhe
chamaram de Adamastor. Só o nome já lhe fazia lembrar a areia e ele detestava areia.
Isso era coisa de gatos.
Naquele momento Adamastor olhava para o pôr do sol e, ao lembrar-se da história do seu nome, lembrou-se de uma história que presenciara naquele mesmo parque, sob aquele mesmo sol, sob aquele mesmo entardecer. Assim como o gigante de pedra se vira numa luta do bem contra o mal também ele conhecera alguém que se vira entre essas duas forças opostas. Sim... fora há muitos anos, numa manhã de janeiro, que tudo começara.

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