As histórias nascem do que mais insólito sacude a rotina. Têm rostos de homens e mulheres, crianças e monstros, mas recordam que a vida caminha num círculo estranho, quase interrupto, onde pequenas coincidências, pequenos acasos, desenvolvem acções entre personagens avessos a narrativas e criam versos em poemas avessos à rima.
Um Inverno iniciou Outubro, mês da uva, mês da chuva, com granizo e geada nos alpendres das casas. Foram as recordações da madrugada! Aquela mulher de cabelos ruivos e barriga inchada da doença escorregou, de chinelos, no piso escorregadio, na linguagem irreconhecível de uma estação incerta. O chão faltou, mas não caiu. Como em tudo, agarrou -se com unhas à parede àspera com cor de cimento e, em sangue, reergueu-se com força bruta. O corpo cansado, a fadiga já de hábito e roupa lavada, o mesmo assobiu que lhe contenta os dias e a impede de cair, inevitavelemente e para sempre.
O rapaz tranca a porta de casa e coloca a mochila às costas. Pesa! Não há dia em que não pese. Mas os ombros - já gastos e corvados de doze anos de tal exercício - não protestam, nem sequer se apercebem que caminham, lentamente, para uma existência dolorosa nos calcanhares da velhice. Irrequieto, teimoso, percorre as ruas de terra e mato a caminho de uma escola que nada lhe diz, nada lhe espanta. No fundo - ele sabe-o - tudo se resume a letras e números dispostos ao acaso por adultos que nunca irá conseguir equiparar. A vontade e a esperança, talvez mesmo a persistência, desapareceram ainda cedo em outros testes de matemática. Ficou a rotina, tal e qual feitiço. que o encaminha, dia após dia, para uma sala cheio de um vazio de alma, ou mesmo de inspiração.
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