Tem um protagonista, tem a sua amada, tem uma aventura e inclusive, tem um final. Se é feliz ou não, depende em muito da interpretação.
Correndo o risco de não agradar a quem correntemente me parece aqui passar, há uma certa história que me apraz contar. Todas as minhas viagens, ou os seus projectos, têm um sentido, possuem uma origem e um objectivo. Nenhum lugar que eu anseie conhecer é-o por pura simpatia. Como pessoa que gosta de História e de histórias, os meus projectos costumam ter uma, mais ou menos romântica, mais ou menos plausível. Macau também tem a sua.
O que este trabalho que escolhi tem de negativo é que nem sempre a inspiração ajuda. Os escritores, ou pelo menos os que escrevem, têm dias bons e dias maus, dias de muitas páginas e dias de poucas palavras. Julgo que também posso revertê-lo a esta casa. Nem sempre apetece escrever, nem sempre a alma ajuda, por muito seca que se queira a escrita.
Imitando algumas colegas, costumo ligar os phones e ir escutando um ou outro cantor mais ou menos famoso, de modo a tentar soltar as linhas. Tudo serve! Músicas salteadas, do mais pop ao mais rock, bandas sonoras de filmes ou, inclusive, cenas, trechos dessas mesmas películas. O que me interessa não é ver - até porque as cenas que procuro raramente não as conheço de cor - mas sim ouvir os diálogos. Bem escritos, bem interpretados, no tom adequado, são como um Eça de Queirós sussurrado ao ouvido. Não há nada que me agrade mais num filme ou num livro que um diálogo bem escrito, com a exacta medida das palavras.
Tenho vários que vou digitando quase já sem me aperceber que o que dizem possui realmente sentido. Desde pequenos momentos das adaptações de Jane Austen aos magníficos trechos de “Hiroshina, meu amor”, passando pelo meu caro Terence Hill contando a história do passarinho e do coiote a um inexpressivo Henry Fonda. Têm tal profundidade que me soam como música, o que, julgo, faltar a muito bom livro ou filme por aí.
No outro dia, lembrei-me de ouvir uma música em particular.
Sou do tempo da televisão privada, tinha 5 ou 6 anos quando apareceu a SIC e ainda me lembro que sintonizei o canal, na velha televisão lá de casa que já nem funciona, sem os meus pais darem por isso. Sou do tempo em que o “Dragoon Ball”, a “Sailor Moon”, os “Jetsons”, os “Flintstons” e afins invadiram o panorama infantil e substituíram a inocente e afamada Rua Sésamo (que passa em Macau - momentos muito nostálgicos no último fim-de-semana). Ainda hoje gosto deste tipo de animação e por vezes questiono-me se, com todas as contrariedades que a invasão da Anime e da Marvel provocaram, não seriam estas séries mais saudáveis que toda essa morangada que por aí anda.
Considerações à parte, onde ficou a idade da imaginação e do mundo das cores, dos mistérios e super-heróis que nos faziam querer superar as nós mesmos (contava aqui a história de uma fato de homem-aranha, mas não tenho autorização para isso)? Longe de romances e contra-romances, de heróis adolescentes e histórias amorosas de folhetim. As novelas de hoje são os desenhos-animados de há 10 anos.
Não me inclino perante a crítica! Quando chegava, a casa depois de um dia de trabalho, nada me sabia melhor que deitar-me ao comprido no sofá e assitir às desventuras da Matilde e do Pedro (?-já os confundo a todos). Mas como há 10 anos se exagerou na dose de bonecada, chegando-se ao ponto de passarem às 10 da manhã animes que deviam levar bolinha vermelha, também hoje se exageram com as séries juvenis.
Tenho saudades dos tempos do “Dragon Ball”. O primeiro, os outros já não tinham a mesma piada. Talvez por causa disso ainda goste de Anime. Com a devida escolha, diga-se, pois há de tudo ali daquele lado dos samurais. Mas, confesso, têm séries excelentes, com histórias de uma profundidade constrangedora, de fazer inveja a muito filme de Hollywood. Por vezes, oiço as suas músicas.
Tenho alguns filmes favoritos, que me comovem de alguma forma, longe de serem bons ou maus, êxitos ou fracassos de bilheteira. E tenho um anime favorito, do qual já recolhi grande parte do que foi feito mas que, depois de vários visionamentos, ainda me deixa a pensar.
Esta é parte da minha história com Macau.
Quando soube da ideia, conquistou-me o lado. digamos, romântico da viagem. Depois, claro, vieram as contingências do processo, o seu lado pragmático e, até certo ponto, funcional da perspectiva. Agradou-me a ideia de conseguir compreender o pulsar do outro lado do mundo, de estar onde os que vieram antes de mim e fizeram a minha história tinham estado e, sobretudo, criar as minhas próprias opiniões, as minhas próprias perspectivas sobre o lugar que me era oferecido sobre a forma de estereótipos e histórias mirabolantes de cobras ao pequeno-almoço. Como diz aqui certa personalidade, vim ganhar mundo, algo que julgo faltar a muitos no ocidente e que, em larga parte, me falta a mim também. Mas vim sobretudo tentar encontrar um andarilho.
Macau também tem, portanto, um filme, uma música, uma memória, como têm para mim Viena, Paris, Angola, o México ou o oeste americano (umas mais diversificadas que outras). Chamem-me viciada, mas não me culpem. Sou da geração da televisão privada e da internet.
Passava na TVI, nos tempos do Batatinha e Companhia, um anime chamado Samurai X, cujo título original vim a descobrir ser "Rurouni Kenshin", algo entre o caminhante Kenshin ou o andarilho, na tradução brasileira.
"Rurouni Kenshin, romantic tales for the Meiji Era" conta uma história e fala sobre História. Vai ao encontro de uma revolução. Para quem tem interesse pelo Japão, de certo que a série será bastante didáctica. E, tal como diz o título, conta as revoluções da era das Luzes nipónica e, sobretudo, o que foi preciso fazer para alcançá-la. Um corte com o passado, com as ideias feudais e guerreiras de outros tempos, o que na China só viria a acontecer mais de 100 anos depois. Bem analisado, não se afastará muito daquele épico do Tom Cruise de há poucos anos, o qual não possui ou está longe de possuir a mesma intensidade e a mesma compreensão daquele outro lado.
Kenshin é um samurai marcado, por diversas formas, que para se remediar dos pecados da revolução percorreu a vida toda o caminho tortuoso que é remediar os males de um teimoso idealismo e das filosofias criadas sobre as luzes da morte e da guerra. Por tal, nunca alcançou a paz! O final da série anime dá essa impressão, mas quem encontrar os OVAs, que contam o antes e o depois, apercebe-se que apenas a doença, a memória, a senilidade, conseguiram apagar os males que o mundo inflige às almas, diremos, dos idealistas, dos românticos. Por tal, o Kenshin não seria um Estaline ou um Mao (mau grado a comparação), mas antes um Lenine ao constatar o valor efectivo da sua obra e tentando apagar os rastos amargos do que teve que percorrer para a alcançar.
Presumo que foi essa redenção por uma época defunta e pela vontade dos mais novos em compreendê-la que me cativou. Por três ou quatro vezes que vi os 99 episódios da série e os oito da OVA, escapou-me aquele sentido que é a entrega de um homem a uma causa e a sagacidade como procura contrariar a inevitabilidade das consequências da história. O que também faltou aos americanos que realizaram o “Último Samurai”.
O Kenshin passa toda a sua vida em busca de uma resposta, em busca do perdão. No fim, morre em paz, mas também fica senil, também se perderam outras vidas. No meio de toda a história, de toda a carismática entrega de muitos à revolução, há qualquer coisa que ainda me escapa...
Onde entra Macau no meio disto tudo?
Macau é a vontade expressa em acto de querer compreender traços deste Oriente que continuam a fugir-me. Por muito distante que esteja o Japão, a convenção feita personalidade permanece e continuo a querer entender o porquê de pequenas coisas, o porquê de atitudes e complexas transformações. Por muito tempo que aqui esteja, não nasci neste lado do mundo.
No fundo, confesso, também eu sou um andarilho, no encalço de outro andarilho, procurando as minhas respostas a perguntas que já outros fizeram antes de mim. Mas não estou interessada nas suas considerações...
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