
E, finalmente, mais uma licenciada neste país...


Eu pensava que um verdadeiro dandy nunca faria amor com Scarlett O´Hara nem com Constança Bonacieux, ou com a Pérola de Labuan. Eu brincava com o folhetim, para passear um pouco fora da vida. Descansava-me, porque propunha o inalcançável. Afinal não... Tinha razão Proust: a vida é representada melhor pela má música do que por uma Missa Solemnis. A arte goza connosco e descansa-nos, faz-nos brincar, mas depois ao mundo faz-nos vê-lo tal como ele é, ou pelo menos será. As mulheres são mais parecidas com a Milady do que com Lucia Mondella. Fu Manchu é mais verdadeiro do que Nathan o Sábio, e [a história] é mais parecida com a que é contada por Sue do que a que é projectada por Hegel.
Ler/ver determinado livro/filme que tenha o seu enredo transposto simultaneamente nos dois suportes, provoca sempre, no mínimo, três efeitos no leitor/espectador que se disponha a conhecer a narrativa: o daquele que leu primeiro o livro, o daquele que viu primeiro o filme e o daquele que lê o livro/vai ver o filme por simples curiosidade, sem ter qualquer contacto com a acção que se vai desenrolar. Diria que a posição ideal é a do terceiro indivíduo. Sem quaisquer noções ou perspectivas a respeito da obra em causa, vai avaliá-la calmamente, talvez atingindo a sua verdadeira natureza, observando detalhes, surpreendendo-se com o inesperado e apreciando o livro/filme por aquilo que é e não tanto pelo que desejaria que fosse ou tivesse sido. A experiência torna-se, assim, mais agradável e completa, uma vez que é simplesmente a história, a narrativa (sob qualquer formato), as personagens e os cenários que nos cativam e não as imagens pré-definidas que temos deles. O mesmo não acontece com qualquer outro dos casos…
o a imaginação, reescrevendo cenas e histórias, de modo a que fiquem mais ao gosto do público contemporâneo ou mais propensas a mostrar a potencialidade da sétima arte no seu melhor.
Toda esta argumentação para falar de um sem número de ideias que me passaram pela mente ao acabar de ler O Véu Pintado, obra que finalmente descobri num canto recôndito de um supermercado, depois de há muito ter visto o filme. Confesso que esperava ver a história do filme suceder-se enquanto lia (embora a tradução portuguesa que tenha encontrado deixe muito a desejar), o que foi acontecendo até chegar sensivelmente a metade da obra. A partir daí foi um reler completo dos acontecimentos e tomar contacto com uma narrativa que me era desconhecida. 
Findo o livro - que aconselho vivamente - ao matutar nas duas obras, deparei-me com uma conclusão curiosa. A mesma premissa, as mesmas personagens, os mesmos acontecimentos e, em muitos casos, até os mesmos diálogos, a mesma moral e….um desenvolvimento completamente diferente, só para não dizer totalmente oposto!!! Na película de Naomi Wats e Edward Norton, a ida para a cidade chinesa infestada de cólera e o contacto com as freiras do convento francês, desempenharam em Kitty o mesmo tipo de transformação e uma vontade similar de se tornar alguém melhor que estão expressas na obra, apercebendo-se então da sua frivolidade e de como se deixara iludir tão facilmente num caso e numa paixão sem futuro. No entanto, no filme essa transformação aproxima-a do marido, no qual começa a notar as virtudes, conduzindo-os a um perdão e a uma reconciliação que no livro pouco mais ficam que implícitos. Incrível como até os diálogos resgatados da obra de Somerset Maugham adquirem sentidos completamente diferentes, sem nunca deixarem de significar exactamente o mesmo! As personagens são em tudo bastante similares, as actuações muito fiéis, mas o desenvolvimento da história é o exacto contrário.
À medida que me encaminhava para o fim da obra, não podia deixar de sorrir com uma estranha sensação. Foi como se o guionista do filme de 2006 tivesse adorado a história, todas as ideias que continha e a moral que defende, mas preferisse que a protagonista chegasse às mesmas conclusões de outro modo. Por tal, livro e filme são em tudo idênticos e em tudo divergentes, duas obras distantes que não deixam de obedecer ao mesmo tema, que, no fundo, dá nome ao título.
E é por estas pequenas coisas que vale sempre a pena ler os livros, ainda que os filmes já nos tenham retirado o entusiasmo pela história. Mesmo que ambas as obras se repitam em quase tudo, há sempre lugar para novos olhares e novas interpretações que mostram como a criatividade humana é, sem dúvida, fabulosa. Talvez mesmo ela esse tal véu pintado que é a vida…


Já perdi da memória a primeira vez que vi o trailer de The Fall - Um Sonho Encantado. O tempo foi passando, passando, e não havia registo da sua estreia por Portugal, nem sombra sequer da sua existência na cerimónia dos óscares. Paciência, ficará para sempre na lista daqueles famigerados filmes que só posteriormente alcançam o estatuto merecido.
Uma história de encantar, uma fotografia lindíssima, um conto de fadas que talvez pudesse ter ido mais longe, mas que mesmo assim consegue arrebatar pela sua natureza e por uma imagem cativante, capaz de contar mil e uma histórias e outros tantos sonhos. Um daqueles livros dos Grim ou do Andersen que folheávamos em crianças, líamos e relíamos, permanecíamos horas a contemplar as imagens, não interpretavámos metade da sua moral, mas a qual permaneceria, eternamente, numa memória que se reaviva e apercebe, por fim um dia, dos factos do mundo. Até lá, o conto de encantar vive de palácios e de princesas, de vilões e heróis, e talvez de um final feliz...
Para quem já não acredita em contos de fadas, o filme encanta pela ternura da jovem actriz, que durante as rodagens ficou convencida que o protagonista era mesmo paraplégico. Ou ainda pela música, que em catarse nos recorda de que material somos feitos, os nossos medos e angústias, que aos olhos de uma criança se desdobram sempre em outras cores e em outros significados.
Um filme que vale a pena ver, mais que não seja pela experiência....