Distinga-se o homem daquilo que representa! Num evento repleto de figuras de destaque nas suas áreas de trabalho e intervenção, a questão peremptória, e tão amplamente discutida, incidiu sobretudo na importância geoestratégica do arquipélago dos Açores no panorama geopolítico mundial! A localização da base das Lajes – assim como a possibilidade de um campo para treino de caças - não escapou imune às referências políticas e históricas dos conferencistas, assim como o sentimento individualista açoriano de se afirmar não enquanto território português mas enquanto um protectorado americano. De facto, o presidente norte-americano Franklin Roosevelt terá visto potencialidades no território, mais próximo, segundo referiu, dos Estados Unidos da América que as suas próprias ilhas no Pacífico. A temática, no entanto, situou-se nas «Relações transatlânticas na opinião pública Europeia e Americana», na Obamomania e no modo como os acontecimentos mais marcantes dos últimos anos poderão influenciar, estrategicamente, o isolacionismo das ilhas do atlântico. De 16 a 18, Ponta Delgada teve o rosto do maior presidente norte-americano do século XX.
Relógio no Pulso
Em Julho de 1918, o subsecretário de Estado da marinha norte americana, Franklin Delano Roosevelt (FDR), passou por Ponta Delgada, ilha de São Miguel, no decorrer de uma viagem de reconhecimento num oceano repleto de submarinos alemães. A sua biografia refere que terá ficado maravilhado com tudo o que observou e constatou nas ilhas portuguesas, mandando mais tarde pintar um pequeno retrato da chegada do seu navio ao local, imagem que esteve em cima da sua secretária até à sua morte. Permaneceu três dias, entre 16 e 18 desse mês, e uma tarde na Horta. Em algumas cartas recolhidas nos arquivos da fundação Franklin Roosevelt, o líder mais carismático da história americana pede à esposa, Eleanor, que mostre no mapa o sítio onde o pai estivera aos filhos. Anos mais tarde, como presidente dos Estados Unidos da América (EUA), terá sugerido que um dos centros da futura Organização das Nações Unidas se situasse nesse local, zona que, segundo referiu, teria «um clima muito bom». Noventa anos volvidos sobre o primeiro acontecimento, o I Fórum Açoriano Franklin Roosevelt destacou-se na oportunidade de ouvir uma longa lista de vozes que ofereceram a sua visão das relações transatlânticas, mas também pela divulgação de uma parte da história açoriana pouco conhecida do público em geral.
Nos três dias marcados apenas faltou o tempo para uma maior intervenção do público, constrangido pela sucessão apertada de conferencistas, intervenções recheadas de saber e irreverência mas que pouca ocasião tiveram para discorrer sobre outras abordagens. Os nomes presentes, no entanto, compensaram largamente qualquer desagrado, numa iniciativa que o embaixador português em Washington, João Vallera, qualificou de «um sucesso». Das bancadas do teatro Micaelense assistiram também um conjunto de estudantes de várias universidades do país, convidados pela Fundação Luso-Americana. Das relações internacionais ao jornalismo, a sua participação alentou, por mais que uma vez, o fornecimento de dados estatísticos pelos conferencistas e o próprio debate nas mesas redondas.
90 anos depois
Grosso modo, os três dias do Fórum resultaram numa divisão mais ou menos tácita dos grandes temas em debate. Se a 16, quarta – feira, a vida e obra de Franklin Roosevelt esteve mais em evidência (com, inclusive, a abertura de uma exposição sobre a personalidade), o dia 17 procurou o olhar americano e a posição estratégica da América no final do segundo mandato do presidente Bush, enquanto o dia 18 se focou efectivamente nas relações transatlânticas.
No seu geral, a ideia, por várias vezes exposta, dos americanos descenderem de Marte, deus da guerra, da acção, da luta, e os europeus de Vénus, deusa do amor, do romantismo, do idealismo. Embate a noção de que a UE, enquanto resultado de duas grandes guerras no seu território, procura actualmente o caminho da conversação, da diplomacia, como verdadeiro garante da liberdade e da democracia, sendo, por tal, várias vezes desacreditada junto dos seus descendentes, os americanos, filhos da luta e que mais sofregamente anseiam pela guerra. A prova foi efectivada por estatísticas e pelas declarações diversificadas, que apostaram sobretudo no diálogo como forma de entendimento para este milénio. De lado – talvez esquecido – o facto de que Marte e Vénus, ainda que de costas voltadas, são os eternos amantes da mitologia citada. Assim, elabora-se a crença de que por mais que os seus ideais sejam divergentes, as suas opiniões e motivações contrárias, Europa e América tendem a construir o seu futuro de mãos dadas. De um modo ou de outro, estão inevitavelmente condicionados às suas relações de aliados.
Com participações diversas e, por vezes, complexas, acreditou-se na importância dos Açores enquanto ponto fundamental á defesa do traçado mundial. Assim, como nas palavras de Roosevelt, «the only thing we have to fear is fear itself». O ponto alto rendeu-se, no entanto, à palestra proferida pelo ex-presidente da república, Mário Soares, que, apoiando Barak Obama, destacou que «os EUA enganaram-se de inimigo ao atacar o Afeganistão, envolvendo a NATO», referindo também que «o eixo do mal não tem qualquer consistência».
Comentando a actual crise económica, a mais grave desde 1929, lembrou que «faltam líderes capazes na Europa para dar novo impulso à UE», concluindo que «o neo-liberalismo esgotou-se». Num mundo que se prepara para acolher um novo líder completamente divergente dos anteriores cânones de governação americana, há que reconhecer que «a globalização selvagem, resultado de um capitalismo de casino, tem que ser regularizada para um desenvolvimento sustentável».
Actualmente, a política volta-se para salvar a economia, conjuntura que se verificou no período de Roosevelt. São necessários valores de força e consciência, assim como o diálogo enquanto «factor de paz». Soares adiantaria também que «o fórum realiza-se num momento de viragem do mundo», visto «estas eleições americanas serem as mais importantes desde a primeira eleição de Roosevelt».
Num diálogo rico pelos seus intervenientes, o fórum venceu pela forma prática e organizada em expor posições e problemas que necessitam de ser debatidos ou, pelo menos, colocados na agenda do nosso espaço público. Para quem veio de fora, o conhecimento inovador da importância do Arquipélago dos Açores veio conferir importância renovada a um território isolado e frequentemente esquecido pelos governantes continentais. Acresce a certeza de que o debate teria merecido uma cobertura mediática muito mais alargada que aquela que os nossos Media lhe conferiram. O público perdeu, assim, não somente uma reunião de excelência sobre temas pertinentes ao espaço global, como também um conhecimento próprio do quando partes retalhadas do seu território estão, neste momento, a ser inadvertidamente preteridas para a causa internacional. O ganho não deixa de ser nosso! Mas a conquista poderia ser muito maior.