De tempos a tempos algo que nos deixa, mesmo sem o notarmos.
Descendo a rua e virando na esquina, mesmo junto à casa do senhor reitor, havia uma fonte velha e já sem uso onde, noutros tempos, se contavam histórias de terror. Anos mais tarde, ainda que os contos persistissem nas crenças da populaça, alguns garotos escondiam aí os seus segredos mais preciosos, desejos, sobretudo, de bens que a vida material não parecia ser capaz de alcançar. Os adultos, por seu lado, combinavam aí todo o género de encontros. Não apenas os amorosos! Dizia-se à boa pequena que a mafiazinha da zona trocava por aquelas bandas sacos e saquinhos de produtos muito pouco legais. Contudo, a polícia - o velho senhor Manuel que só queria sossego até ao bendito dia da reforma - nunca parecia conferir grande credibilidade a esses rumores obscuros.
A fonte foi correndo a sua água, foi ganhando lodo e lixo, foi secando sem cuidado nem arranjo, mas continuava a ser motivo de visitas. Até ao dia em que a câmara decidiu destruir o velho património, ainda que muitos o considerassem o ex libris lá da terra. Os entendidos não o olharam, no entanto, com tanto respeito! As lendas iam sendo esquecidas assim como ia avançando a escolarização das suas gentes. Os contos da madrugada transformavam-se em pequenos contos de fadas, memórias fantásticas de velhas cantadeiras ou bruxas malvadas, sem mais com que se ocupar se não amedrontar a criançada. Ganharam, por tal, beleza e houve quem as quisesse preservar. Morreram os efeitos nefastos, a moral punitiva para quem ousasse contestar. Ficou o entretém, a magia do que nunca podia ter acontecido.
Morreu desta forma uma parte da memória para criar nova realidade. Aqui vão elas...para quem quiser ouvir.
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