terça-feira, 3 de abril de 2007

Hora de Ponta - Reportagem de Ambiente



A CABRA. Não falo da torre da velha universidade que, em outros tempos mais prósperos, chamava os estudantes para as aulas. Não falo, tão pouco, dessa mesma velha universidade que perdeu, em muitos cantos, a elegância e o charme da antiguidade para dar lugar à degradação. Não! Falo de um espaço dessa famosa Associação Académica de Coimbra, num segundo andar, mesmo ao lado da direcção geral, composto por duas salas que, em dias de maior movimento, quase não consegue albergar toda a criatividade dos seus ocupantes. Chão escuro e poeirento, os caixotes de lixo a transbordar, velhos computadores inúteis a ocupar espaço precioso, portáteis espalhados por todos os lados, móveis poeirentos repletos de pastas, armários de metal que não abrem, aquecedores que não funcionam.
É dia de entrega de artigos. Deadline. Toda a gente fala, toda a gente se enerva, aquele já grita. Quem diz que o espectáculo é no palco? Nada melhor que os bastidores! Dá vontade de parar, nem que se esteja no meio de uma ideia fenomenal, e observar os que circulam. Juventude… Sabe ainda melhor a quem pode vivê-la.
O telefone toca – é um fax. Lá vai aquele que ainda não conseguiu falar com nenhuma fonte. Parece desiludido, cansado. Amaldiçoa o momento em que teve a brilhante ideia de ficar com aquele artigo. Está, mais uma vez, a olhar para o telefone e a digitar os números. Como o outro aparelho está a receber o fax tem de usar o do segundo compartimento, mais pequeno, mais estreito, mais silencioso. Se conseguir falar com o maldito ministro vai ter assistência. Aquilo não lhe agrada. É novo, não tem muita experiência. Já ouviu os colegas a conversaram. Parecem trabalhar naquele meio, no jornal universitário de Coimbra, há anos. Parecem conhecer já tudo, ter falado com toda a gente. Encolhe-se, fala baixo e depressa. Consigo sentir-lhe o medo. Tomara que o ministro seja daqueles que gosta de falar…
Chove. Há um cheiro a pó no ar, a humidade entranhada. Os que fumam saem da secção e instalam-se no corredor. Não adianta, o cheiro espalha-se na mesma. Há gente que se ressente, não apreciam o tabaco. Outros estão descontraídos, na conversa. Muitos trabalham. Os artigos têm que ser entregues. São quatro horas da tarde, hora de ponta. Há copos de cerveja vazios esquecidos numa borda e que não parecem incomodar ninguém. Um sofá, com um grande buraco no meio por onde se vêem as molas, parece fazer as vezes das cadeiras inexistentes. Acaba de chegar mais uma promessa jornalística. Vê quem procura, vai cumprimentá-la. Mas, agora, onde é que se vai sentar?
O sofá estragado já foi ocupado. Um dorminhoco recupera o sono de uma noite perdida nas tascas da cidade. Muito barulho. O stress acumula-se. Tac tac, primem-se as teclas dos computadores. A Internet não funciona outra vez. Os editores exasperam. Onde é que está o artigo que aquele rapaz tinha prometido? Onde é que está o rapaz para começar? Preciso de mais um cigarro para acalmar.
Os dois telefones estão ocupados outra vez. Alguém grava uma conversa por detrás daquele móvel. Chiu! Pouco barulho! Ninguém liga.
- Quantos caracteres eram mesmo?
- 3500. Quantos tens?
- Bem…4000…
- Tens que cortar.
- Mas isto é mesmo importante, não dá para ficar?
- Tenta cortar alguns e já se vê.
Já se transpira. Onde está o editor? Aquele quer ir para casa, é sexta-feira! Quero o gravador! Estão todos a ser usados. Viram o jogo ontem à noite? Não, estive aqui a acabar o artigo. Tenho 3800 caracteres, pode ficar assim? Corta mais um bocado que agora vais ter superlead. Onde meteram o macaco? Qual macaco? O peluche com a capa preta. Roubaram-nos o macaco malta! Alguém viu um Diário de Coimbra? De que dia? Alguém viu o Público de hoje? Tenho aqui a capa mas não sei do resto. Não consigo falar com o ministro, não tens outro contacto? Começa a escrever o artigo e já se vê.
Penso se, em outros locais, as coisas também se passarão assim. A mesma energia, a mesma excitação, o mesmo reboliço. Uma juventude de que sei vir a sentir falta um dia. Um empolgamento que me faz sentir viva e útil ao mesmo tempo. Todos parecem sonhar com o amanhã. Terá ele as mesmas cores, o mesmo cheiro e a mesma alegria? Só o futuro o dirá.

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