terça-feira, 3 de abril de 2007

Cartas a um desconhecido - II

Não percebo porque ainda me escondo daquele que me procuram. Cheguei a ansiar essa procura, esse desejo, cheguei a implorar que me olhassem e me dissessem que me reconheciam no meio da multidão opaca e sem rosto. Nessas alturas costumava olhar em frente e sentir uma vitalidade que envergonhou muitos dos que se consideravam superiores a mim. Pois claro! Conseguia fazer-lhes frente, olhá-los sem medo e gritar, gritar bem alto, Consegui! Estou aqui! Enfrentei-vos! Como não me sentir realizada? A vida corria-me bem.
Depois, aconteceu... Não sei bem como ou porquê, não sei se foi a minha arrogância, a minha cegueira, ou a própria ambição de ir mais além. De repente estava só e não me preocupava com isso. Estava sozinha no desejo de o estar e não querer mais ninguém ao meu lado para além daqueles que eu determinava. Que não eram muitos, diga-se. O meu gato, independente, o meu cão, fiel, e o meu piriquito, que morreu na gaiola ao fim de dois meses. Não chorei nem lhe fiz um enterro. Julgo que o gato o comeu nos dias em que me esqueci de lhe dar de comer. Enfim... Contrariedades da vida. Naqueles dias eu própria queria servir de alimento ao meu gato.

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