quarta-feira, 25 de abril de 2007

Cartas a um desconhecido III


Poder ouvir-te, bem baixinho, nos meus ouvidos, escutar como a tua voz sussurada me acalma e me acalenta determinado tipo de esperanças, determinado tipo de ilusões... Hoje estou só. Estive só toda a minhvistoa vida sem o saber... Mas vivia sempre rodeada de pessoas, seres humanos que me sorriam e diziam o quanto gostavam de mim e me apreciavam, estimavam o meu trabalho e a minha presença. É como estar toda a vida em frente a um quadro que se adora pela singeleza dos traços, pela beleza das cores, pela significação das personagens, pelo calor e emoções que transmite e, de um momento para o outro, apreceber-se que tudo aquilo é uma cena de morte, das piores que poderias ter na vida.

Escuto, mais uma vez, alguém que se aproxima. És tu? Quantos períodos terá que possuir esta carta para que tenhas coragem de abrir a porta e encontrares-me aqui, à tua espera, ansiosa por que me ouças frente a frente, ansiosa para que me expliques a tua ausência, a tua/ minha dor e frustração. Noutros tempos tive tantas certezas que me julguei dona do mundo. Cometi injustiças, arbitrariedades, falsos juízos e omissões. Quando me apercebi ... como dizer? Procurei mudar o esquema. Ter outras atitudes, ter outros amigos, olhar em vez de falar, observar em vez de agir. O que sucedeu? O mesmo.´

De cada vez que tomava uma iniciativa descobria que ela de nada valia, pois os seus resultados finais eram invariavelmente os mesmos. Alguém me dizia que não podia agradar a todos, que eu nunca conseguiria fazer feliz toda a gente sem me prejudicar a mim primeiro. Eu nunca quis acreditar em tais desígnios! Como acreditar se o sonho em que vivemos é muito mais belo, muito mais emocionante que qualquer realidade? Mesmo aquelas que estão mesmo em nossa frente...

Só a mim me dou vontade de chorar. Quem lê estas linhas certamente se ri destas minhas dissertações sobre coisas que mais ninguém compreende. E este comentário também te diz respeito. Também, por certo, te ris com gosto deste meu lamentar tão patético como as cartas de amor patéticas de Álvaro de Campos. Mas nem por isso deixam de ser verdadeiras. Eu estou aqui! Tu estás aí! Tu, só, com medo de entrar; eu, só, por ter querido ficar...

Lembro-me daquela viagem que fiz, ainda criança, a uma país cujo nome não me recordo. Lembro-me da minha felicidade, do meu orgulho, da minha excitação. Lembro-me do olhar da minha mãe ao mostrar-me coisas novas - coisas que nem ela própria conhecia - coisas das quais nunca mais esqueci. O verde de um relvado num parque infantil, o sabor do chocolate de eu marca estranha, a doçura de um sol que ficou naquela idade, naquele instante e naquele momento em que eu me deletei na relva a observá-lo...

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