Quando estava em Macau e passava pela Tyffany's & Co lembrava-me frequentemente da película que marcou a carreira de Audrey Hepburn. O mesmo sucedia num restaurante lá da terra, onde a mítica imagem da boneca de luxo me acompanhava as refeições. Não se trata aqui sequer de possuir uma predilecção especial pelo filme, nem é esse o caso. A película obedece ao efeito para o qual foi construída - o de entreter - e vale pela fotografia e pela imagem icónica que ficará para sempre associada a Hepburn e ao mundo da moda. O argumento tem as suas luzes, mas não deixa de ser um tanto pobre, especialmente para quem leu a narrativa de Truman Capote. E mesmo à nossa cara Audrey, faltou bastante da intensidade de Holly Golightly. Culpemos a censura americana da época sobre a sétma arte, culpemos o guião ou culpemos o realizador, o resultado está à vista e, bem, cada um tem a sua opinião.
Quando se está num outro país, lost in translation, existe a tendência, pelo menos à partida, de procurar referência culturais. No meu caso, havia a Audrey, a Tiffanys e certos remates de um argumento que sempre considerei pobre, mas que me vinham com mais frequência do que supunha à memória. Talvez por isso tenha procurado com alguma avidez o romance original, por forma a colocar um ponto final num dilema de consciência.
Falemos então antes de Truman Capote. O senhor teve uma vida complicada, como o cinema tem sabido dar a conhecer nos últimos anos, e em certa medida compreende-se o seu triste fim. Nos génios costuma existir uma certa tendência para o suicídio, mas não entremos em pormenores mórbidos...
Gostaria de falar do Capote contador de histórias, da sua visão peculiar e irónica sobre o mundo que o rodeava e da forma magistral como o expôs na sua obra. Alguém me disse certo dia que para se escrever bem é necessário abordar os temas que compõem o nosso quotidiano. Não sei se a frase era original ou se possuia direitos de autor, mas o facto é que passo a vida a encontrá-la nos mais variados sítios. Para o bem, ou para o mal, Capote soube fazê-lo e é essa dimensão familiar que coloca em cada uma das palavras que escreve que tornam as suas narrativas tão intensas, escorreitas e tentadoramente saborosas.
Os livros que tendo a colocar na prateleira da predilecção costumam ser o resultado de um entendimento mútuo, uma espécie de pacto póstumo entre a leitora e o autor. E apesar de décadas, estatuto, educação, género e vidas completamente diferentes, tenho conseguido conversar com o Truman em mais de uma ocasião. Porque as pessoas não são tanto o que mostram mas as acções que praticam, os testemunhos que deixam ou as obras que criam, consigo acreditar que talvez um pequeno-almoço pela madrugada frente à montra perfeita do que nunca poderemos ter, produza os seus efeitos. A Holly não será um grande exemplo, mas tinha lá as suas razões...
"Sou constantemente assaltado por memórias de sítios onde vivi, as casas e os bairros".
E não é que tem razão?
A escada de pedra que Quental também conheceu...
O corredor vazio e desarmado no fim de um tempo de luta...
Uma paixão e um desejo, em frames que ainda escrevem histórias...
Um circulo de sorrisos que se perderá na eternidade...
15 minutos de pausa na Las Vegas do Oriente para deixar o hino tocar...
Um sofá, um caneta e um livro, de personagens que nunca chegaremos a conhecer...
Talvez a Holly tivesse a sua razão.
2 comentários:
;) Um texto bonito e cheio de nostalgia, hum? Nunca vi nenhum filme com a Audrey, dá para acreditar? Tenho que pôr mãos à obra. E de Capote, fora uma ou outra nota e referência histórica, também nada conheço.
Shame on me ;)
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Obrigada :) Há dias assim. Honestamente, com a Audrey também só vi a Boneca de Luxo. Ando para ver a Sabrina, mas a oferta pelas minhas bandas para filmes antigos é umtanto escassa
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