Um tempo houve em que a chuva
era feita de rumores e anseios
hoje bate, sopra, sacode
e perturba apenas
os meus sonhos
Um tempo houve em que a água
era rio, era porta, era fronteira,
hoje escorre pelos riachos das serras.
da mata, da vinha e do olival,
e compõe bucólicos quadros de passeios,
de letras em música
e de inspirações sem papel
O piloto sobrevoa aquela nova terra
que em nada muda nem se adensa;
da pequena que contava histórias,
fazia promessas,
vê o piloto que pouco mais há
que a envaideça
Tempos houve em que a memória
era feita de sonhos e desejos,
hoje a sereia perdeu a voz
e esconde ao mundo os seus projectos,
pois nada mais são
nada mais querem
que à semelhança dos outros
sua imagem descreverem
Tempos houve em que o tempo
corria lento, na madrugada,
hoje é águia, é passatempo,
é conversa de passageiros
e de fantasmas
Volve a mudança
na sua perda
que em nada mais se quer ficar
o eterno é a sua presa
o imediato o seu julgar
Aos ateus que desconhecem o tempo
confessa-se um Deus
enigmático...
Certo dia contou uma piada
fez dela verdade, fez dela destino,
o homem acreditou, contrariado
por ter que obedecer
a tal fatalismo
Esse Noé, que nome fora,
acolheu em si todos os tempos
perdeu histórias
perdeu intentos
e partiu à descoberta
de novos sonhos
Questionou fronteiras
questionou temores
maldice de santos
contou pecadores
Volveu o tempo
volveu a História...
transformou-se terra, transformou-se homem,
ambicionou-se tudo
criou-se a desordem
Noé descobriu que Deus
em comédias de Vigilantes
comprira os seus veredictos
e tornara certas as cantigas
que mais que de amor,
são de amantes
Estranha piada é essa do tempo
que cobra de alguns os desejos contraditos!
És obrigado a cumprir
o que por medo tinhas esquecido...
Que resta de ti agora?
Que resta do que eras?
Esse Deus realmente tem piadas
que não pertencem a esta comédia!!
Voa piloto, voa...
procura nas matas esses tarecos
que a sereia descobriu que o sussurro
apenas aos deuses é confesso
e as comédias são vicentinas
até onde o homem é sincero.
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