quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Em divina comédia


Um tempo houve em que a chuva

era feita de rumores e anseios

hoje bate, sopra, sacode

e perturba apenas

os meus sonhos


Um tempo houve em que a água

era rio, era porta, era fronteira,

hoje escorre pelos riachos das serras.

da mata, da vinha e do olival,

e compõe bucólicos quadros de passeios,

de letras em música

e de inspirações sem papel



O piloto sobrevoa aquela nova terra

que em nada muda nem se adensa;

da pequena que contava histórias,

fazia promessas,
vê o piloto que pouco mais há

que a envaideça


Tempos houve em que a memória

era feita de sonhos e desejos,

hoje a sereia perdeu a voz

e esconde ao mundo os seus projectos,

pois nada mais são


nada mais querem
que à semelhança dos outros

sua imagem descreverem

Tempos houve em que o tempo
corria lento, na madrugada,

hoje é águia, é passatempo,

é conversa de passageiros

e de fantasmas

Volve a mudança

na sua perda

que em nada mais se quer ficar
o eterno é a sua presa

o imediato o seu julgar

Aos ateus que desconhecem o tempo

confessa-se um Deus

enigmático...



Certo dia contou uma piada

fez dela verdade, fez dela destino,

o homem acreditou, contrariado

por ter que obedecer

a tal fatalismo


Esse Noé, que nome fora,

acolheu em si todos os tempos

perdeu histórias

perdeu intentos

e partiu à descoberta

de novos sonhos



Questionou fronteiras
questionou temores

maldice de santos

contou pecadores



Volveu o tempo

volveu a História...

transformou-se terra, transformou-se homem,
ambicionou-se tudo

criou-se a desordem



Noé descobriu que Deus

em comédias de Vigilantes
comprira os seus veredictos

e tornara certas as cantigas

que mais que de amor,
são de amantes

Estranha piada é essa do tempo

que cobra de alguns os desejos contraditos!

És obrigado a cumprir

o que por medo tinhas esquecido...


Que resta de ti agora?
Que resta do que eras?
Esse Deus realmente tem piadas

que não pertencem a esta comédia!!

Voa piloto, voa...

procura nas matas esses tarecos
que a sereia descobriu que o sussurro
apenas aos deuses é confesso

e as comédias são vicentinas

até onde o homem é sincero.

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