Há uns quinze dias aproveitei um copão de 10euros nas livrarias Bertrand e comprei um livro que há muito me namorava os olhos. A obra, ou melhor, o conjunto de obras tratam-se dos contos completos de Truman Capote, o escritor norte-americano mais conhecido pelo seu best-seller A Sangue Frio e recentemente lançado à ribalta por um filme oscarizado, Capote, e outro que teve o azar de passar quase ao mesmo tempo nas salas de cinema, mas sem prémios, Infame.
Li A Sangue Frio no ano passado, leitura obrigatória numa cadeira de jornalismo escrito. O comentário julgo tê-lo publicado na altura, perdido algures neste blogue que, consoante os períodos, vai tendo maior ou menor actividade. Não me recordo com certezas do que achava da obra antes de a ler. Lembro-me que o filme motivara a sua publicação desenfreada e o destaque em várias livrarias, mas não fora a imposição do professor provavelmente nem lhe teria prestado muita atenção. De resto, a biblioteca cá de casa vai aumentando a um nível assustador, de tal forma que a menos que a curiosidade leve a melhor os gastos estão seriamente limitados.
A leitura começou desconfiada, mas, a pouco e pouco, ganhou alguma substância. No fim já me derramava em lágrimas pelas vidas daquelas quatro pessoas tão cobardemente assassinadas, num leitura completa, plena, estimulante, tão envolvente que me envergonhei de nunca ter prestado a atenção devida ao autor. Pouco tempo depois era lançado Travessia de Verão, um romance inacabado de Capote, que eu li com sincera nostalgia por me recordar um peça dramática com uma história semelhante estudada no meu 12ºano.
Tanto neste último romance, lançado postumamente, como nos Contos Completos descobri-me, quase que de forma inconsequente, a ler as notas introdutórias do editor. Descreviam, basicamente, a vida de Truman Capote, tudo o que fez para subir na vida e o fim trágico ao qual, inadvertidamente, se deixou levar. Sim, eram cusquices! Mas, em certa medida, abriram o pano aos contos que de seguida devorei com inestimável interesse, tão repletos de desejo contido como de alguma mágoa, visões do mundo muito jovens mas já resultado de certa perspicácia, a mácula social que distingue os grandes narradores.
Truman admira a maldade, o que de mais profundo e negro existe em cada um. Admira também o lado belo, requintado, muitas vezes ignorante mas prático da vida. A capa que apresenta o livro é sinónimo dessa dualidade. Capote é-nos apresentado jovem, com um olhar fugidio, desconfiado, sozinho . A fotografia não nos intimida. Capta o nosso olhar desnudo e inquieto, aquele que procura respostas às perguntas mais cabais, mas que surgem invariavelmente ocultas. Quem é ele, porque nos observa assim, porque nos parece julgar? Uma sensação que nos trespassa, nos abandona à nossa transparência tão brutal, tão insignificantemente humana. E, daquela mesma forma atraente, compreendemos os seus contos, impelimo-nos a querer desvendar aquelas personagens, meio adoráveis meio hediondas, que nos acompanham por linhas e linhas de inconfundível satisfação.
Por isso perguntar, até que ponto o conhecimento da maldade e da elegância humana nos diz de nós próprios? Costumo dizer que quem trai é quem desconfia, nunca aquele que foi traido. No mesmo sentido, quem conhece a fundo a emoção mais negra é quem é capaz de a sentir. Os que com incoência olham o mundo, procurando o bom e o saudável que nele existe, pouco sabem, pouco compreendem e pouco são capazes de sentir. Talvez por isso os grandes génios se suicidem sempre...
Para conhecer Capote, em muito mais que a sua obra.
Livro: Contos Completos
Autor: Truman Capote
Edição: Sextante Editora, setembro de 2008
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