quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A Norte a chuva parou (c)

Sentada sozinha no seu mundo de sonhos, frente a uma secretária de trabalho que nada lhe dizia, ela percorria os dias sem sem aperceber do sentido para o qual vivia. O mundo pairava numa sonolência quase adoirmecida, a chuva caia em gotas miúdas. O sol não aquecia. Tudo parava.


Frente ao computador, martelando teclas sem grande lógica, não se apercebeu que naquela manhã o escritório estava mais vazio que o normal. Apenas algumas das suas colegas trabalhavam, mas também elas estavam quase que alheadas das formas que os ecrãs lhes mostravam. Algo pairava no ar, uma excitação quase nervosa, crente de um inesperado bem vindo. O silêncio imperava. Nem a garota das fotocópias gritava os recados na sua voz estridente. Todos conversavam em sussurro, vibrando com o nada que queria dizer tudo. Um momento - muito em breve - traria revelações. Mas ninguém ousava comentá-lo em voz alta.


Foi quando lhe apeteceu, de súbito, um café (daqueles rompantes irracionais que frequentemente tomavam conta das suas ideias) que ela constatou que as coisas não estavam no seu sítio. Ninguém conversava nos corredores, a máquina do café estava limpa, não havia lixo nos baldes, a música de fundo não tocava, as pessoas caminhavam cabisbaixas e sem ruído entre as secretárias. Existiam apenas sombras mas a luz queria entrar. Desejava entrar. O que se passaria?


Quase curiosa, porque a curiosadade era coisa de quem se preocupava com os outros, dirijiu-se à secretária vizinha, onde a colega de serviço copiava a toda a pressa um monte de papéis. Junto do computador uma tablete de chocolate ficara por abrir. O telemóvel devia ter ficado na mala ou no bolso do casaco. Apenas os dedos gritavam, batendo no teclado com toda a ansiedade comprimida. A ânsia, essa, estava escondida por trás de um rosto passivo.


- O que se passa? - perguntou - Onde estão as pessoas?


A colega olhou para ela, sobressaltada, visivelmente espantada por ter sido abordada por tal personagem. Deveria considerar aquilo uma honra? Na maioria das vezes a patroa estava tão altiva no seu próprio mundo que nem se designava a lançar um «bom dia» aos funcionários. Séria, obscura, sem dar a entender se era feliz ou infeliz, quase carrancuda mas sem querer ser antipática. Alheia a tudo simplesmente, alianada. Sem se importar se o país entrava em guerra ou ela mesma morria ao atravessar a rua. Não sabia como reagir.


- Be...bem - balbuciou - na...não sabe?


- De quê?


- A revolução...


- Desculpa?


- A revolução. Aqueles homens que aqui estiveram ontem estão a preparar-se para entrar no...


Mas já não acabou a frase. A jovem patroa tinha voltado as costas.

Sem comentários: