No outro dia, passeava eu calmamente pela feira aqui da terra com a minha primita de 9 anos, quando ela me perguntou de onde vinham as coisas que estavam à venda. Eu ri-me: da China, pois claro, não fosse, inclusive, estar uma grande caixote a um canto, onde se podiam ler, a letras garrafais, as palavras “Made in China”. Ainda que tivesse dúvidas, não haviam passado muitos dias sobre uma reportagem (julgo que por algum dos canais privados) em que os feirantes desvendavam sem preconceitos a origem dos seus produtos. “O material é bom e barato” – afirmavam – “e tem vindo a melhorar bastante de qualidade”.
Meio curiosa, não resisti em perguntar o preço de uma ou outra oferta. Em Macau, o comércio tradicional, onde se discutia o custo do produto, tem vindo a decair. Por várias vezes escutei pessoas a queixarem-se de como a abertura contínua de casinos havia prejudicado o seu nível de vida, com os preços a aumentarem em tudo, ao ponto de nos mercados os vendedores já nem aceitarem discutir os valores. O mesmo não sucedia do outro lado da fronteira. No entanto, europeu que por ali passe está marcado à partida (a cor da pele não favorece nestes momentos), e a menos que a pessoa tenha habilidade para negociar (o que infelizmente não é o meu caso) leva as suas compras a preços muito semelhantes aos das feiras por Portugal, se não superiores.
Foi o que confirmei numa das bancas, enquanto que a minha prima se entretinha com um CD dos Morangos com Açúcar.
Esta história vem a respeito de uma reportagem bastante interessante sobre a feira da ladra de Panjiayuan, no sudeste de Pequim, publicada pela Courrier Internacional deste mês. O artigo tem origem no jornal “Nanfang Renwu Zhukan”, de Cantão, e está datada de Março deste ano. Nela, o autor, Yang Xiao, faz um pequeno percurso pela história deste mercado de antiguidades e de como, ao longo das décadas, foram por ali passando autênticos tesouros, roubados das campas dos imperadores. Verdadeiro e falso são vendidos como relíquias, transportados para o Ocidente, enganando inclusive os próprios antiquários com a perfeição dos trabalhos. A fase mais recente começa na década de 80…
“Por último, na década de 1980, encetou-se uma vaga de contrabando. Hong Kong e Macau serviram de placa giratória para esse tráfego, com destino à Europa e aos Estados Unidos. O fluxo de exportações ilegais tomou uma amplitude sem precedentes nos anos 1990. Certos funcionários das alfândegas, convertidos em homens de negócios, quase deixaram de verificar o conteúdo das cargas. (…) Nos últimos, a feira da ladra de Panjiayuan viu surgir uma nova fonte de mercadorias. Os vendedores dizem que numerosos objectos «regressam do estrangeiro». De acordo com um responsável da empresa chinesa de leilões Guardian, o número de objectos regressados à China através de leiloeiras aumentou assinalavelmente desde 2003. E o já citado responsável do Instituto do Património afirma que, em Pequim, surgem mais de dez mil peças por ano referenciadas como «de regresso recente à China». Hoje, pinturas Ming ou Qing são mais caras na China do que no estrangeiro, o que explica que regressem de Londres ou Nova Iorque. Mas não há que dar cores demasiado nacionalistas a esta tendência, considera um profissional. Recorde-se uma venda solene realizada em Xangai, de objectos trazidos dos Estados Unidos – que eram afinal vulgares.”
In Courrier Internacinal
Novembro 2009
pp.86-91
Quem passa pela China facilmente percebe a amplitude destes negócios, não fossem eles quase bater-nos à porta. Histórias de imitações célebres de Rolex ou malas de luxo são frequentes e parecem dar bastantes dores de cabeça às grandes marcas. Não obstante, de cada vez que passava por Louis Vitton ou afins, era raro encontrar a loja vazia. Enfim, talvez seja o caso de começar a ponderar se não seremos nós por cá, muito em breve, a entrar em força nestes negócios menos claros, enquanto os nossos amigos do Oriente se deliciam com o original.