sábado, 28 de fevereiro de 2009
No banco de um jardim
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Parágrafo
na história do mundo
quisera eu ser outra
para contigo partilhar
essa perspectiva sem dono e ábil seguro
que é o tempo que por tempo
se recusa a passar
Em noite se fez esse desejo
em noite se fez essa imensidão
o futuro
por um inesquecível ensejo
adormece o ser
em sua contemplação
Depois vem o sonho
vem a liberdade,
não possuindo nada além da eternidade,
as sombras são pó que em translúcida ilusão se formam
e as mágoas em crença
se castigam
na ousadia de procurar possuir
um bem maior.
O dia acorda,
a cortina desce,
o Homem que em movimento se ilude
em cruzes padece
o mago em profecias advinha
que é chegado o momento
de inaugurar
uma nova Terra
A noite fez-de dia
mas continuo a imaginar
que essa sensação de consciência perdida
é mais que além do tempo
no lento e doloroso terreno
de uma criança por abraçar
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Foi o destino
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Narrativas de Macau (8) no encalço de um andarilho
Tem um protagonista, tem a sua amada, tem uma aventura e inclusive, tem um final. Se é feliz ou não, depende em muito da interpretação.
Correndo o risco de não agradar a quem correntemente me parece aqui passar, há uma certa história que me apraz contar. Todas as minhas viagens, ou os seus projectos, têm um sentido, possuem uma origem e um objectivo. Nenhum lugar que eu anseie conhecer é-o por pura simpatia. Como pessoa que gosta de História e de histórias, os meus projectos costumam ter uma, mais ou menos romântica, mais ou menos plausível. Macau também tem a sua.
O que este trabalho que escolhi tem de negativo é que nem sempre a inspiração ajuda. Os escritores, ou pelo menos os que escrevem, têm dias bons e dias maus, dias de muitas páginas e dias de poucas palavras. Julgo que também posso revertê-lo a esta casa. Nem sempre apetece escrever, nem sempre a alma ajuda, por muito seca que se queira a escrita.
Imitando algumas colegas, costumo ligar os phones e ir escutando um ou outro cantor mais ou menos famoso, de modo a tentar soltar as linhas. Tudo serve! Músicas salteadas, do mais pop ao mais rock, bandas sonoras de filmes ou, inclusive, cenas, trechos dessas mesmas películas. O que me interessa não é ver - até porque as cenas que procuro raramente não as conheço de cor - mas sim ouvir os diálogos. Bem escritos, bem interpretados, no tom adequado, são como um Eça de Queirós sussurrado ao ouvido. Não há nada que me agrade mais num filme ou num livro que um diálogo bem escrito, com a exacta medida das palavras.
Tenho vários que vou digitando quase já sem me aperceber que o que dizem possui realmente sentido. Desde pequenos momentos das adaptações de Jane Austen aos magníficos trechos de “Hiroshina, meu amor”, passando pelo meu caro Terence Hill contando a história do passarinho e do coiote a um inexpressivo Henry Fonda. Têm tal profundidade que me soam como música, o que, julgo, faltar a muito bom livro ou filme por aí.
No outro dia, lembrei-me de ouvir uma música em particular.
Sou do tempo da televisão privada, tinha 5 ou 6 anos quando apareceu a SIC e ainda me lembro que sintonizei o canal, na velha televisão lá de casa que já nem funciona, sem os meus pais darem por isso. Sou do tempo em que o “Dragoon Ball”, a “Sailor Moon”, os “Jetsons”, os “Flintstons” e afins invadiram o panorama infantil e substituíram a inocente e afamada Rua Sésamo (que passa em Macau - momentos muito nostálgicos no último fim-de-semana). Ainda hoje gosto deste tipo de animação e por vezes questiono-me se, com todas as contrariedades que a invasão da Anime e da Marvel provocaram, não seriam estas séries mais saudáveis que toda essa morangada que por aí anda.
Considerações à parte, onde ficou a idade da imaginação e do mundo das cores, dos mistérios e super-heróis que nos faziam querer superar as nós mesmos (contava aqui a história de uma fato de homem-aranha, mas não tenho autorização para isso)? Longe de romances e contra-romances, de heróis adolescentes e histórias amorosas de folhetim. As novelas de hoje são os desenhos-animados de há 10 anos.
Não me inclino perante a crítica! Quando chegava, a casa depois de um dia de trabalho, nada me sabia melhor que deitar-me ao comprido no sofá e assitir às desventuras da Matilde e do Pedro (?-já os confundo a todos). Mas como há 10 anos se exagerou na dose de bonecada, chegando-se ao ponto de passarem às 10 da manhã animes que deviam levar bolinha vermelha, também hoje se exageram com as séries juvenis.
Tenho saudades dos tempos do “Dragon Ball”. O primeiro, os outros já não tinham a mesma piada. Talvez por causa disso ainda goste de Anime. Com a devida escolha, diga-se, pois há de tudo ali daquele lado dos samurais. Mas, confesso, têm séries excelentes, com histórias de uma profundidade constrangedora, de fazer inveja a muito filme de Hollywood. Por vezes, oiço as suas músicas.
Tenho alguns filmes favoritos, que me comovem de alguma forma, longe de serem bons ou maus, êxitos ou fracassos de bilheteira. E tenho um anime favorito, do qual já recolhi grande parte do que foi feito mas que, depois de vários visionamentos, ainda me deixa a pensar.
Esta é parte da minha história com Macau.
Quando soube da ideia, conquistou-me o lado. digamos, romântico da viagem. Depois, claro, vieram as contingências do processo, o seu lado pragmático e, até certo ponto, funcional da perspectiva. Agradou-me a ideia de conseguir compreender o pulsar do outro lado do mundo, de estar onde os que vieram antes de mim e fizeram a minha história tinham estado e, sobretudo, criar as minhas próprias opiniões, as minhas próprias perspectivas sobre o lugar que me era oferecido sobre a forma de estereótipos e histórias mirabolantes de cobras ao pequeno-almoço. Como diz aqui certa personalidade, vim ganhar mundo, algo que julgo faltar a muitos no ocidente e que, em larga parte, me falta a mim também. Mas vim sobretudo tentar encontrar um andarilho.
Macau também tem, portanto, um filme, uma música, uma memória, como têm para mim Viena, Paris, Angola, o México ou o oeste americano (umas mais diversificadas que outras). Chamem-me viciada, mas não me culpem. Sou da geração da televisão privada e da internet.
Passava na TVI, nos tempos do Batatinha e Companhia, um anime chamado Samurai X, cujo título original vim a descobrir ser "Rurouni Kenshin", algo entre o caminhante Kenshin ou o andarilho, na tradução brasileira.
"Rurouni Kenshin, romantic tales for the Meiji Era" conta uma história e fala sobre História. Vai ao encontro de uma revolução. Para quem tem interesse pelo Japão, de certo que a série será bastante didáctica. E, tal como diz o título, conta as revoluções da era das Luzes nipónica e, sobretudo, o que foi preciso fazer para alcançá-la. Um corte com o passado, com as ideias feudais e guerreiras de outros tempos, o que na China só viria a acontecer mais de 100 anos depois. Bem analisado, não se afastará muito daquele épico do Tom Cruise de há poucos anos, o qual não possui ou está longe de possuir a mesma intensidade e a mesma compreensão daquele outro lado.
Kenshin é um samurai marcado, por diversas formas, que para se remediar dos pecados da revolução percorreu a vida toda o caminho tortuoso que é remediar os males de um teimoso idealismo e das filosofias criadas sobre as luzes da morte e da guerra. Por tal, nunca alcançou a paz! O final da série anime dá essa impressão, mas quem encontrar os OVAs, que contam o antes e o depois, apercebe-se que apenas a doença, a memória, a senilidade, conseguiram apagar os males que o mundo inflige às almas, diremos, dos idealistas, dos românticos. Por tal, o Kenshin não seria um Estaline ou um Mao (mau grado a comparação), mas antes um Lenine ao constatar o valor efectivo da sua obra e tentando apagar os rastos amargos do que teve que percorrer para a alcançar.
Presumo que foi essa redenção por uma época defunta e pela vontade dos mais novos em compreendê-la que me cativou. Por três ou quatro vezes que vi os 99 episódios da série e os oito da OVA, escapou-me aquele sentido que é a entrega de um homem a uma causa e a sagacidade como procura contrariar a inevitabilidade das consequências da história. O que também faltou aos americanos que realizaram o “Último Samurai”.
O Kenshin passa toda a sua vida em busca de uma resposta, em busca do perdão. No fim, morre em paz, mas também fica senil, também se perderam outras vidas. No meio de toda a história, de toda a carismática entrega de muitos à revolução, há qualquer coisa que ainda me escapa...
Onde entra Macau no meio disto tudo?
Macau é a vontade expressa em acto de querer compreender traços deste Oriente que continuam a fugir-me. Por muito distante que esteja o Japão, a convenção feita personalidade permanece e continuo a querer entender o porquê de pequenas coisas, o porquê de atitudes e complexas transformações. Por muito tempo que aqui esteja, não nasci neste lado do mundo.
No fundo, confesso, também eu sou um andarilho, no encalço de outro andarilho, procurando as minhas respostas a perguntas que já outros fizeram antes de mim. Mas não estou interessada nas suas considerações...
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
o que se encontra no youtube
Eu a minha irmã nunca fomos assim...
Narrativas de Macau (7) o espaço da minha Audrey
Falemos agora um pouco sobre espaços. Pessoalmente, os meus locais favoritos costumam ser aqueles que, de alguma forma, me despertam algum significado pessoal ou que, com a sua decoração ou algum pormenor inaudito, conseguem mexer com a imaginação. Em sentido lato, aprecio sobretudo espaços abertos, daqueles que nos afagam o impulso de esticarmos os braços e nos estendermos ao comprido. Não tenho culpa, nasci na serra, e apesar de sempre ter sido muito caseira, uma das coisas que mais me estimulam a criação e o bem-estar é sentar-me na varanda da minha casa numa tarde de verão, logo depois do almoço, e observar ao fundo o castelo no cima do monte, quase um quadro medieval sobre um fundo azul.
Em quase todos os sítios por onde passei houve um determinado espaço que ou pela localização ou pela vivência permaneceram na minha memória e a eles regresso sempre que me é possível. Pois, mais que o conforto por se estar num sítio que nos toca, é aquele vibrar fortuito de uma história a germinar, o contorcer quase involuntário da criação que se apodera do cérebro e quase que do corpo. As palavras parecem brotar com mais facilidade, escrevem-se momentos quase de poesia e, pelo menos aquelas partes, acabam por se transformar nas linhas e parágrafos mais "saborosos" dos contos, das histórias, dos artigos ou de simples rascunhos que nunca chegam a ganhar corpo.
Em Portugal, gosto quando tenho que passar pelo santuário e sentir-me um ponto pequeno naquela imensidão que quase nos abraça ou nos quer abraçar. Gosto quando subimos ao castelo e passeamos pela vila debaixo de chuva. Gosto de me sentar nas escadas da faculdade de letras e ficar a observar o movimento ora apressado ora pachorrento dos meus colegas, de todas as nacionalidades. Gosto do claustro do instituto, agora já mais ajeitadinho, e de ver a chuva cair sobre ele nas tardes de inverno. Gosto de me debruçar sobre o rio nas noites de Queima e ver lá em cima a torre iluminada da universidade. Gosto de soltar o Piloto em dias de Primavera e juntos corrermos até ao pinhal, descobrindo sítios perdidos na mata, tão simples quanto encantados, pequenas recordações que despoletam as histórias dos contos de fadas que eu lia na biblioteca da escola ou, simplesmente, exercitações de um olhar cinéfilo, a querer transportar pelas páginas dos livros o impacto das cores da tela.
Em Macau ainda não consigo magicar histórias. Por muito que a percorra e tente compreender os momentos desta terra, ela ainda não é minha, ainda não construí nela uma casa. Já passei por situações boas e menos boas, já tive dias bons e dias maus, mas ainda não alcancei nenhum dos extremos. Por tal, mesmo que me encantem as casas portuguesas ou a fachada do Albergue da Santa Casa, o impacto da descoberta permanece na beleza das coisas e não no que elas me pudessem transmitir. É como se visse um filme lindíssimo e, no fim, apesar de ter gostado, não o compreendesse de todo. Mais ou menos aquela sensação que me ocorreu da primeira vez que vi o The Fountain. Adorei, simplesmente! Mas não percebi nada...
E essa é a maior frustração. Conhecer o lugar sem conseguir percorrê-lo mais a fundo. Adorar sentir o espaço do Largo do Senado às 5 da manhã, mas não conseguir ir além do agitar rebelde dos gatos que se escondem atrás dos canteiros. Observar as pessoas no seu dia a dia, na sua correria, e não conseguir entender porque correm, porque riem, porque choram sozinhas num canto isolado junto das ruínas...
Não obstante, existem espaços que me agradam e, apesar de ainda não terem nenhum significado especial para mim, encontro neles um sentido e uma agradável sensação de reconhecimento, uma primeira pontade de creatividade, a despontar. Um dos meus melhores passeios findou no Reservatório, um pequeno parque junto ao rio das Pérolas, num final de tarde, reconhecendo, ao longe, os jetfoiles que partiam para Hong Kong. Uma paz imensa, uma tranquilidade inexprimível depois de todo o reboliço que tinha apanhado pelas ruas e ruelas de Macau. E gosto dos jardins embrenhados no meio da cidade, também eles pequenas pérolas, onde as velhotes jogam um estranho xadrez, as crianças brincam e as mulheres percorrem em alegre monotonia. Gosto de encontrar recantos onde outros antes de mim estiveram, com mais ou menos história, gosto de me perder nas ruelas - aquela verdadeira China - de Macau. E gosto do espaço da minha Audrey...
As contigências desta minha vida por terras a Oriente levam-me a fazer as refeições fora de casa. Quando estou de folga, gosto de evitar o sítio costumeiro a que me habituei a dirigir e procuro encontrar restaurantes diferentes, mais ou menos chineses, tailandeses ou afins, onde me possa misturar e conhecer essa variedade mestiça que é a terra do Santo Nome de Deus. Já encontrei algumas preciosidades, mas também alguns sítios que fariam tremer a ASAE da santa terrinha. E eu que me queixava das tascas de Coimbra...
Mas quando o restaurante do costume está fechado, gosto de ir visitar a Audrey. É chinês para turista ver e português só de referência. No entanto, a comida é boa e no meio de tanta misturada aquele caldo-verde com um leve sabor a picante deixa-me de rastos.
Com uma larga montra, deixa a luz entrar com facilidade, o que combina com a decoração em cores claras e "teens" e o design moderno. Numa das paredes, muito ao estilo da pop art, está esbatida a imagem da Audrey Hepburn, naquela versão cinematográfica romântica, e já clássica, do romance de Truman Capote, Breakfast at Tiffany's.
Ainda não percebi muito bem porque é que o lugar me cativa só pelo facto de olhar para a Audrey de cigarro na mão, com aquele olhar inocente e perdido, a pedir desesperadamente por auxílio ao mesmo tempo que diz não pertencer a ninguém. Talvez seja pela forma como me transporta para outras paragens, uma madrugada passada a observar uma montra duma rua de Manhattan. Ou mesmo o simples estilo travesso, de quem parece abstraida da realidade mas que, em verdade, observa tudo com muita atenção. E, claro, aquela imagem da beleza perfeita por ser tão imperfeita, a da jovem que parece não saber o que quer mas, no fundo, sabe-o com franqueza. Agrada-me, faz-me sentir uma estranha sensação de calma e, como em mais nenhum sítio ainda por aqui, faz-me querer mexer com a imaginação.
Gosto de locais que me transportem para a vida dos filmes e de filmes que me despertem o interesse para certos locais. Heaven, um dos meus filmes favoritos, deu-me a facada final assim que vi as imagens da Toscana. Ainda hoje consigo ver aquela comédia da Meg Ryan, French Kiss, só pelas imagens do sul de França. O Diamante de Sangue e o Fiel Jardineiro puseram África nos meus planos futuros. E depois, claro, Viena, que os passeios de Antes do Amanhecer ainda me arrebataram mais a imaginação. Macau também tem uma história semelhante, mas conta-la-ei noutra altura.
No final...gosto de espaços, gosto de locais, gosto de paisagens que me preencham o olhar e de espaços que me despertam a imaginação. Gosto da cena da longa planície que Henry Fonda enfrenta no O Meu Nome é Ninguém. Gosto de passear sozinha pela Nan Vam e recordar os contos de Senna Fernandes. Gosto de ir encontrar a Audrey ao fim da manhã e ir com ela até Nova Iorque. Mas gosto sobretudo de olhar pela janela e constatar que, finalmente, cheguei a Macau...
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
o outro lado
A nossa costela judaico-espanhola
Para os que gostam de filmes sobretudo históricos, de capa e espada (e do Viggo Mortensen já agora). Tristemente esquecido pelas salas portuguesas.
O Capitão Alatriste
(trailer aqui)
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
Reticências...
in Público
A história do papel que Ian McEwan teve no exílio interno de Salman Rushdie será publicada na próxima edição da revista "New Yorker". “Nunca me vou esquecer — na manhã seguinte acordámos cedo. Ele tinha que estar sempre a fugir. Foram tempos terríveis para ele”, contou McEwan.
“Estávamos a fazer café e torradas e a ouvir as notícias das 8h00 da BBC. Ele estava mesmo ao meu lado e era o tema de abertura das notícias. O Hezbollah investia toda a sagacidade e poder para o matar”. Esta foi uma das muitas manhãs dos cerca de dez anos em que Rushdie viveu escondido.
A "fatwa" levou ao corte de relações diplomáticas entre a Grã-bretanha e o Irão. Só em Setembro de 1998 é que os dois países melhoraram relações, quando o Presidente iraniano, Mohammad Khatami, garantiu que não apoiava mais a perseguição a Rushdie. Mas as autoridades iranianas reafirmaram, na quarta-feira, ao aproximar-se o aniversário dos 20 anos da declaração da fatwa contra Rushdie, que esta “não foi anulada e é válida para sempre”.
sábado, 14 de fevereiro de 2009
E por aqui comemora-se o São Valentim
in Jornal Tribuna de Macau
A lenda de São Valentim, por seu lado, é algo dúbia, existindo inclusive dois mártires com o mesmo nome que terão morrido a 14 de Fevereiro. O conto mais corrente distingue um padre que, nos tempos de Claudius II, continuou a realizar casamentos mesmo após a sua proibição pelo imperador romano. Claudius considerava que se os jovens não tivessem família, alistar-se-iam com maior facilidade no exército. Descoberto, preso, torturado e condenado à morte, Valentim recebeu no cárcere cartas e flores de pessoas que acreditavam no amor. Uma das pessoas que o visitava era a filha do carcereiro que, sendo cega de nascença, terá recebido a visão após as múltiplas preces do sacerdote. Outra história conta que os dois se teriam também tornado amantes, tendo este escrito à apaixonada uma carta de amor que finaliza com “do seu Valentim”.
A comemoração a 14 de Fevereiro pode ainda estar relacionada com as festas pagãs de Lupercália. Dedicadas à deusa da fertilididade e do casamento romana, Juno, na conversão ao cristianismo terão ficado associadas a São Valentim, como aconteceu a outros dias marcantes do calendário religioso cristão.
C.G.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Narrativas de Macau (6) Madame Bijoux
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Uma daquelas vontades intensas...
Uma cidade 24 horas
A Cidade (até ser dia)
Uma madrugada na padaria
Ainda não bateram as seis. A cidade dorme, escondida nos seus prédios, nos seus cobertores, alheada dos que preparam a alvorada. Na padaria Tosta Rica, José Manuel já ligou o forno, retirou a massa da câmara do frio, depois de passada uma noite de levedura, e vai cozendo o pão com energia e despacho, provocando inveja ao espectador que o observa, ainda ensonado, ainda entorpecido pelos sons da noite. A lua vai descendo no firmamento, as nuvens vão dando lugar a pequenos rasgos de céu, que o sol ainda não alumia. Os postes de electricidade continuam ligados, uma coruja pia, ao longe, num tenebroso acordar. A limpeza já passou, os gatos trepam pelas varandas, vultos de sombras esgueiram-se pelas ruas. Uma solidão cortada pelo assobio de José Manuel que, sozinho, prepara as encomendas. Parece que o colega não vem trabalhar hoje!
Cheira a farinha e fermento, espalhados por todos os cantos da sala. Uma enorme batedeira despacha a massa que fará o pão para a venda ao público. Sacos e cestos acolhem croissants, pães de forma, parolos, pães de leites, broas, toda uma variedade de delícias, bem quentes, a abrirem o apetite. A divisão para a distribuição pelas diversas casas e residências tem que estar pronta às 6h30, hora a que chega o patrão. O padeiro que quis ser veterinário vai fazendo as contas: pães de carcaça – 900 por dia; pão integral – 100; parolos – 150… «Conforme os pedidos», comenta! Há 12 anos desistiu de estudar e dedicou-se ao forno e à farinha. Num espaço exíguo e repleto de máquinas, onde o calor está presente o ano todo, vai passando os seus dias. Arrasta cesto, arrasta tabuleiro, a massa no forno, o pão a cozer, as horas a passar, entregas organizadas, folhas assinadas. Só sai mais logo, às 17h. Mas nunca quis fazer outro horário.
O dia nasce quando o proprietário, o Sr. José, chega. José Manuel sai, atarefado, da cozinha e ajuda a encher a carrinha. O dono é um homem alto, entroncado, de cinquenta anos, cabelo grisalho e bigodes longos. Estava no serviço militar, ainda nas hostes da revolução de Abril, quando o pai morreu e lhe deixou a padaria. Criada em 1927 enquanto forno comunitário, conta 30 anos de padaria/pastelaria Tosta Rica. Nos primeiros tempos, a distribuição levava horas! Entrava-se para fabricar o pão à meia-noite e depois «fazia voltas enormes, com cerca de 100 km por dia», explica o Sr. José. Contudo, actualmente, chegou-se «a um ponto que não compensa». A «concorrência também aumentou muito» e, estando os alimentos a um preço tão elevado, tem clientes «que vão várias vezes por dia à padaria para comprar o mínimo» indispensável.
Faz-se à estrada, a cidade é dele! No início da manhã são poucos os que percorrem as ruas desertas e entregues apenas ao regozijo da bicharada. Quase sem trânsito ou outros impedimentos, as estradas são o palco dos que preparam a madrugada. Dois ou três táxis, carros de distribuição às portas dos quiosques, vagabundos da noite de regresso às suas camas, jovens em festa pelo dia que começa. O Sr. José comenta, a expressão séria e dura em desaprovação, os comportamentos tristes e desajustados dos estudantes nas alturas de festa da cidade. «Tanto lhes dá para dormir a um canto quanto para destruir», constata apontando para uma zona do passeio onde um sinal vandalizado foi retirado. Mas à excepção desses momentos de rebeldia, as viagens são tranquilas. Não encontra quase mais ninguém enquanto sobe e desce ruas, num pára/arranca quotidiano. Os clientes, hoje, são menos e mais restritos. Residências clericais para jovens, lares de idosos, alguns cafés e restaurantes. As estradas estão livres, a solidão quase total permite carregar no acelerador, exceder por um pouco os limites. Poucos rostos lhe dizem «bom dia».
A corrida é rápida e não tem intervalo. O pé no travão, ponto morto, abre a bagageira, pega no cesto, deixa à porta, volta à carrinha, mete a primeira, arranca. Os gestos maquinais, a rotina dos olhares de cuidado. «Isto já quase se faz de olhos fechados», comenta sorrindo, a cadeira desviada do seu grupo, num canto da cozinha de um hotel, para procurar um cesto porventura aí esquecido. O lar de idosos da rua Bernardo Albuquerque, o Hotel Triple na zona de Celas, o Instituto Missionário do Sagrado Coração, o restaurante «O Porquinho» já a sair da cidade, o Lar Teresiano da avenida com nome de rei, o Lar do Sagrado Coração ali bem pertinho, uma casa sem rosto (um cliente a deixar em breve) que não inspira confiança. Pára/arranca, entra/sai, travão/acelerador, estradas vazias a aguardar a freguesia da manhã.
No regresso à padaria, a pastelaria anexa já está cheia, os clientes procuram pequeno-almoço, pão bem quente a sair do forno. Um antigo freguês cumprimenta o Sr. José que, apressado, entra para organizar a casa. A cidade acordou! Não é mais só de alguns, é já de toda a gente. De repente e sem aviso, deixou de pertencer apenas àqueles que a percorrem na rotina do amanhecer. Os sons dos carros, a sonolência dos que se levantam, a alegria dos que nunca chegaram a adormecer. Bem de perto, ao ouvido, uns pequenos acordes de uma melodia eterna. Uma voz doce, de dezasseis anos apenas, ecoando no grande palco do festival da canção.